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São 17h30 do dia 20 de dezembro de 2024. Estamos numa das salas do FEUP L3, o Centro de Formação ao Longo da Vida da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), e viemos acompanhar a penúltima aula do curso “Sistemas Ferroviários” lecionada pelo docente António Couto, do Departamento de Engenharia Civil e Georecursos. O silêncio domina a sala, onde a matéria ensinada se faz ecoar nas quatro paredes. Os olhares de quem assiste – e participa ativamente para colocar questões ou fazer uma outra intervenção – revela a atenção plena relativamente ao que está a ser dito, e as notas nos cadernos vão ganhando volume.

Em frente aos formandos, um ecrã de projeção com os slides das matérias. À sua direita, um quadro branco que serve de suporte à lecionação – onde um esquema, um desenho, ou uma fórmula, assumem as mais diversas configurações e complementam o decorrer da aula. Ao fundo, na parte de trás da sala, um outro ecrã, onde, por sua vez, se encontra quem assiste remotamente à sessão. São 31 formandos, no total: 21 online, 10 na sala de aula. Todos comprometidos com o aprofundar dos seus conhecimentos naquela que é, sem dúvida, uma temática do interesse de todos.

 

Uma formação ajustada às necessidades do mercado

Se saltarmos para fora da sala e voltarmos atrás no tempo, em meados de 2024, a FEUP estaria a receber a resposta de entidades externas às solicitações que lhes foram enviadas, sobre as necessidades por elas identificadas como prementes para o mercado atual. Abordar este tópico é remeter-nos para a origem dos cursos de formação contínua da Faculdade de Engenharia e recordar o indispensável contributo da Infraestruturas de Portugal (IP), uma empresa FEUP Prime que gere e administra as infraestruturas ferroviárias e rodoviárias em Portugal, para o desenvolvimento de um programa de formação ajustado às carências reais do setor.

Recuperando as palavras de José Alves Monteiro, assessor da administração da IP, em entrevista à FEUP, “a formação de engenharia ferroviária relativa às infraestruturas foi deixada historicamente para as próprias empresas do setor, mas deverá ser assumida pelas Universidades com o apoio da IP, criando condições para o interesse dos jovens em participar neste desafio técnico, garantidamente motivador nas suas diversas perspetivas pessoais e profissionais”.

Averiguada tal necessidade, a FEUP pôs “mãos à obra” e desenvolveu uma unidade de formação com o nome “Sistemas Ferroviários” – uma tarefa a cargo de António Couto, docente responsável pelo curso. “Há mais de 30 anos que leciono este tipo de temáticas e tenho dado algumas formações deste género. Talvez a mais marcante tenha sido a que fiz para o metro de São Paulo, no Brasil, com um modelo muito similar a este, mas com a diferença do número de horas disponível – muito mais elevado: cinco dias por semana, 8 horas por dia”, recorda António.

Legenda: António Couto, docente do Departamento de Engenharia Civil e Georecursos e responsável pelo curso “Sistemas Ferroviários” do FEUP L3.

“A meu ver, o ajuste entre o tempo de lecionação e os conteúdos a abordar é sempre um pouco complexo. Essencialmente porque nos vemos confrontados com pessoas que têm uma diversidade muito grande de experiências e perfis muito diferenciados – não só ao nível do trabalho que desenvolvem, mas também pelo tempo acumulado nesse âmbito. Alguns têm uma formação relativamente recente, outros com experiências de 10, 20, 30 anos. E isto foi um desafio: o de tentar alcançar o tal equilíbrio de modo a que o curso constituísse uma mais valia para todos os envolvidos, não deixando de fora valências consideradas importantes, e fazendo com que o tempo dedicado não fosse um tempo perdido”, partilha o docente.

Tendo em conta todos estes aspetos, o curso foi desenhado e estava pronto a ser lecionado. Dos quase 50 candidatos, foram selecionados apenas 30, que frequentaram as 14 horas previstas do curso, em regime B-learning. “Foi muito gratificante ter formandos que tinham sido meus alunos na faculdade e outros tantos que vieram de tão longe como Lisboa. Ainda que para muitos o facto de ter sido um curso pós-laboral tenha envolvido um esforço adicional, a ideia com que acabei por ficar relativamente à reação deles foi totalmente positiva”, comenta António.

“Ao longo deste tempo, houve uma troca muito interessante de conhecimentos, com um enriquecimento claro de parte a parte. O que acontece muitas vezes na nossa vida é que, mesmo com experiência profissional, entramos um bocado em velocidade cruzeiro nas coisas que fazemos, e não questionamos muito sobre o porquê de as fazermos e de adotarmos um certo tipo de procedimentos – na prática, o que queremos é resolver o problema. E penso que neste curso conseguimos colmatar isso”, acrescenta.

No decorrer desta unidade de formação, foram abordados, entre outros, tópicos como sistemas de transporte ferroviário, o estudo do movimento, conceitos de traçado ferroviário, sistemas de pendulação, tecnologias de vias-férreas e o dimensionamento estrutural da via-férrea e de pontes e túneis ferroviários.

 

O “aprender” na primeira pessoa

Regressemos à sala. São agora 19h e é hora de fazer um intervalo. O professor António sai da sala e ficamos com os formandos à conversa. É neste momento que perguntámos se algum dos presentes gostaria de partilhar o seu testemunho sobre a experiência do curso – já estamos numa fase em que é possível fazer uma retrospetiva. Sem hesitar, quase em uníssono, todos acederam ao pedido. E ripostamos à medida.

Uma grande parte dos formandos que assistiam à aula presencialmente veio de Lisboa. Como é o caso de Fátima Mateus, alumna da FEUP e engenheira na IP Engenharia, há cerca de 25 anos. “Tivemos conhecimento do curso através da Infraestruturas de Portugal, que é parceira, e decidi inscrever-me para aprofundar os conhecimentos e perceber qual é a perspetiva do meio académico relativamente ao trabalho do nosso dia-a-dia. Estudei na FEUP, ainda na Rua dos Bragas, e lembro-me do professor António lecionar uma cadeira de caminhos de ferro – vim agora revê-lo, quase 30 anos depois”, afirma de sorriso no rosto.

Legenda: Aula do curso “Sistemas Ferroviários” do FEUP L3.

 

Também Gisela Peleira, atual gestora da Unidade de Via e Geotecnia do Centro de Manutenção Operacional Norte da IP Engenharia, destacou a relevância desta unidade de formação. “Trabalho há 23 anos na área da via férrea, 15 dos quais na IP, e tomei conhecimento desta formação através da Academia da IP. Resolvi inscrever-me porque de facto queria perceber como é que os parâmetros de projeto, na realidade, têm impacto no que fazemos – por exemplo, numa possível exploração futura da montagem de uma linha de caminho de ferro”.

“Uma estrutura deste tipo é das mais fáceis de montar, mas a partir do momento em que ela entra em serviço é das mais complexas de gerir e manter, por uma série de condicionantes. Portanto, todo o impacto no projeto e nas regras a cumprir, vão ter um papel muito relevante numa construção deste tipo – quer na sua qualidade, quer na qualidade da respetiva manutenção, e na longa vida – ou não – da infraestrutura. Foi isso o que me levou a frequentar esta unidade curricular”, argumenta.

Para Inês Faustino, que concluiu o seu curso na FEUP há dois anos e trabalha na direção de obra de uma das estações da Metro do Porto, uma empresa FEUP Prime, esta unidade de formação “foi importante para rever e aprender alguns sistemas que não tinham sido abordados na altura, na especialidade de Vias de Comunicação pela qual optou”. Sem se alongar muito mais, não resistiu a partilhar, com felicidade espelhada no rosto: “Foi muito bom voltar a casa”.

Também Patrícia Leitão, que concluiu o doutoramento na FEUP e interage connosco a partir de casa, tem uma palavra a dizer. “A minha área é ambiente e já trabalhei tanto na empreitaria como na fiscalização em obras ferroviárias. Como esta não era a minha área de base, queria compreender um pouco mais o que está por trás da execução, entre outros aspetos, do projeto da ferrovia”, partilha.

Mas este já é o segundo curso do FEUP L3 que a alumna frequenta. “O outro foi Obras Marítimas e Offshore, que achei espetacular. Não tinha qualquer conhecimento dessa área. Inscrevi-me nestes cursos porque queria ter conhecimentos mais alargados sobre estas áreas e adquirir outras noções que não tinha”. E porquê assistir à aula a partir de casa? A resposta surge pronta: “É sexta-feira e o transito está caótico. Se tenho a possibilidade de ficar em casa e evitar a confusão, fico. Ainda assim, ao sábado, costumo ir à FEUP presencialmente”.

Já para José Godinho, que trabalha na área da manutenção de via na IP, mais concretamente na linha da Beira Baixa, o motivo é outro: “Também vos assisto de casa, mas mais pelo facto de estar um bocado mais longe. Não fui aí presencialmente porque não havia tempo nesta altura do ano, mas tenciono ir nas próximas vezes”. Quanto ao curso em si, “a experiência está a ser ótima. Nós trabalhamos com coisas puramente práticas, e ter esta visão académica – ou rever esta visão académica – dos elementos ferroviários está a ser muito bom”, aponta.

O presente com o futuro em vista

Regressando ao início de tudo, porém em jeito de conclusão, António Couto, ainda antes de as inscrições abrirem, tinha uma ambição maior: “fazer o possível para corresponder ao máximo às expectativas que eventualmente os formandos pudessem trazer”. Hoje sabemos, pelas perceções que partilharam, que a “missão” terá sido concluída com sucesso.

Numa perspetiva pessoal, para o docente, a lecionação deste curso foi “uma lufada de ar fresco”, nas palavras do próprio. “Para quem dá aulas há muito tempo, como eu, há sinais claros que nos revelam o interesse dos alunos. Estivemos ali 3h30 e não houve praticamente distrações. O foco era aquilo, independentemente de estarem a acompanhar a aula a 100% – o que tenho a certeza que aconteceu a maior parte das vezes, pelo facto de o ritmo ser bastante acelerado. Este semestre foi tão desafiante pela carga de horas de aulas que tive, que este interesse compensou”, reflete.

“Tenho a convicção de que no futuro vão ser cada vez mais importantes cursos deste tipo, mais dirigidos, na formação dos profissionais. E estou expectante de que isto vá acontecer num futuro relativamente próximo. O mercado vai ter esta necessidade. Cada vez mais as licenciaturas têm um carácter mais generalista e, se as pessoas não se especializarem entretanto, vão ter dificuldades na abordagem a determinados assuntos ”, conclui.

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