“O Ruanda é o lugar mais humano e comunitário que alguma vez visitei” 

 

João Barros é alumni de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores da FEUP e já foi professor da “Casa” durante quase uma década. Doutorado em Engenharia Eletrotécnica e Tecnologias de Informação pela Universidade Técnica de Munique (Alemanha), é um Engenheiro eletrotécnico premiado, líder académico e empreendedor apaixonado. Transforma teoremas e algoritmos complexos em produtos e serviços que fazem uma diferença real na vida das pessoas.

Após 15 anos a desenvolver novas tecnologias de redes sem fio na Universidade Técnica de Munique, Universidade do Porto, MIT, Cornell e Stanford, João Barros fundou duas startups apoiadas por capital de risco, a Streambolico e a Veniam, onde desempenhou funções como CEO durante cerca de 10 anos até a aquisição pela empresa líder de visão computacional para automóveis, Nexar. Recebeu vários prémios, incluindo o Prémio Jovem Investigador da IEEE Communications Society para a região da Europa, Oriente Médio e África, o prémio conjunto do IEEE para o melhor paper em teoria da informação em telecomunicações 2011, Cablelabs, Wireless Broadband Alliance, TU Automotive e um prémio de melhor docente concedido pelo Ministério de Ciências, Investigação e Artes do Estado da Baviera.

É membro do Conselho Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Portugal. Já publicou 180 artigos científicos e tecnológicos, e 22 patentes, tendo o seu trabalho sido também alvo de artigos de destaque da NPR, BBC, MIT Technology Review, The Atlantic e TechCrunch, entre outros. Tem o diploma de flauta transversal pelo Conservatório de Música do Porto e já publicou um livro.
Em março deste ano decidiu mudar-se para África para ser Professor Catedrático na Carnegie Mellon University no campus CMU-Africa em Kigali, Ruanda.
Fomos conhecê-lo melhor e descobrir o que o inspirou a mudar de vida e de continente.

 

Licenciou-se em Engenharia Eletrotécnica na FEUP. Quando é que soube que queria ser Engenheiro Eletrotécnico? Na altura em que ingressou na Faculdade de Engenharia, quais eram as expectativas? 

Quando tinha 17 anos, estava muito indeciso entre música, matemática ou engenharia. Estava no Conservatório de Música e gostava imenso do que estava a aprender. Após um teste psicotécnico ocorreu-me combinar engenharia eletrotécnica com música e tornar-me engenheiro de som. As minhas expectativas eram sobretudo aprender a fundo como é que os sinais e os sistemas funcionam. Não fiquei nada arrependido e encontrei ainda muitos outros temas nas telecomunicações que me apaixonaram para o resto da vida.

Foi Professor, Investigador, criou duas start-Ups… como é que descreve o seu percurso profissional? 

O meu percurso profissional foi tudo menos uma linha reta. Houve sempre dois fatores que me influenciaram. Por um lado, tive sempre imensa curiosidade de aprender assuntos novos. Por outro, fui sempre muito intuitivo em relação às pessoas com quem mais queria trabalhar. As startups surgiram um pouco por acaso. Em 2011, o país estava numa situação financeira muito difícil e os alunos precisavam de razões para não emigrar. Eu também queria perceber como é que se podia levar tecnologias dos laboratórios da universidade para o mercado. Como tinha visto os meus colegas americanos da Carnegie Mellon University e do MIT a fazerem isso de forma muito natural, decidi experimentar.

Durante a sua carreira já recebeu inúmeras distinções. É Fellow do IEEE – Institute of Electrical and Electronics Engineers, já foi considerado um dos maiores cientistas do mundo na área das Ciências da Computação. Para si, qual é a receita para o sucesso?

Força de vontade para fazer acontecer e abertura ao mundo e a todas as outras pessoas, sejam elas de onde forem, para aprender mais rapidamente tudo aquilo que é preciso aprender para atingir determinados resultados. Nunca pensei muito em ser isto ou aquilo, tentei sempre aprender o máximo possível, ser amigo das pessoas à minha volta e encontrar formas de ser útil num contexto o mais alargado possível. O resto foi acontecendo, também porque tive a sorte de ser apoiado por mentores extraordinários, quer na vida académica quer na vida empresarial.

 

Este ano, decidiu ir para o Ruanda, ingressar no corpo docente da Carnegie Mellon University. Como é que surgiu esta oportunidade?

Depois de termos vendido a nossa startup Veniam à tecnológica Nexar, ainda permaneci durante algum tempo com líder da plataforma da casa mãe, mas senti que era altura de fazer algo completamente diferente. Acresce que o sector tecnológico começou a trabalhar sobretudo a partir de casa, por videoconferência e por mensagem, o que não é de todo como eu gosto de trabalhar com as pessoas. Ao visitar a Carnegie Mellon University em Pittsburgh, tive oportunidade de falar longamente com os colegas que já me conheciam do programa CMU Portugal, onde fui diretor entre 2009 e 2012. O timing foi perfeito porque a Fundação Mastercard ofereceu 275 milhões de dólares à Carnegie Mellon University para expandir o centro no Ruanda para toda a África. Decidi então ir com a minha esposa e filho mais novo visitar Kigali e fiquei completamente apaixonado pelos 300 alunos de 22 países africanos e os vários projetos que utilizam tecnologias avançadas para atacar problemas verdadeiramente fundamentais para África e para o mundo. Há também uma componente muito forte de empreendedorismo que me permite trabalhar com startups um pouco por toda a África. É um verdadeiro privilégio e estou a gostar imenso.

Tem refletido bastante sobre a Inteligência Artificial, principalmente na área da mobilidade. Esta mudança para África está relacionada com o querer contribuir nessa área? Como é que está a sentir esta mudança?

A inteligência artificial afeta já todas as indústrias e áreas de negócio. É por isso uma oportunidade enorme para acelerar a educação e a eliminação da pobreza em África. Tanto na mobilidade como na saúde ou na agricultura, existe hoje a oportunidade de fazer saltos tecnológicos de uma forma muito mais sustentável. Os países africanos são muito diferentes uns dos outros, mas têm todos a oportunidade de inventar um paradigma de desenvolvimento diferente em que o bem-estar das pessoas e a proteção dos nossos ecossistemas possam coexistir de forma mais imediata e natural. Há muitos exemplos muito positivos a acontecer no Ruanda, no Botswana, no Gana, no Quénia, e em muitos outros países africanos, que nunca chegam aos noticiários dos países mais desenvolvidos. Quando se vive aqui, percebe-se que existe uma população muito jovem com um potencial extraordinário, um desejo enorme de encontrar soluções, uma resiliência muito acima de outros continentes e uma alegria de viver contagiante, que eu gostaria que muito existisse de igual forma noutras partes do mundo. Apesar de todas as dificuldades, o Ruanda é o lugar mais humano e comunitário que alguma vez visitei.

Que expectativas tem para o futuro? Pretende regressar a Portugal?

De momento, estou determinado a trabalhar em África durante mais algum tempo nas três vertentes que mencionei acima. Sinto uma vocação muito forte para trabalhar com estudantes, investigadores, empreendedores e decisores políticos nos países em vias de desenvolvimento. Dito isto, continuo a ter muita ligação a Portugal, quer através da família quer dos meus amigos e colegas com quem colaboro no âmbito de projetos de investigação. Faço ainda parte do Conselho Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e estou disponível para ajudar o País em tudo o que puder.

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