
Licenciado em Engenharia Mecânica pela FEUP, Mestre em Design Industrial e Doutorado em Líderes para Indústrias Tecnológicas pelo Programa MIT-Portugal, Nuno Calçada Loureiro nasceu no Porto (1976) e construiu uma carreira marcada pela versatilidade e uma sólida formação académica. Além da sua atuação como engenheiro, o alumnus da FEUP também se destaca na área da música, tendo completado um curso profissional em Direção de Coral e Orquestral e sendo o primeiro graduado dessa formação.
Ao longo da sua carreira, foi membro ativo de várias associações culturais universitárias, como o Coral de Engenharia, a Tuna de Engenharia e o Orfeão Universitário do Porto. No âmbito profissional, ocupou cargos de gestão de projetos e produção, e foi formador em várias instituições, incluindo o CENFIM, o CINFU e a SGS Academy.
Atualmente, é investigador colaborador no LAETA, focado em materiais compósitos, com ênfase em biodegradáveis e de origem natural. É também Membro Sénior da Ordem dos Engenheiros e participa ativamente em diversas organizações internacionais, como a International Association of Engineers e a International Association of Educators and Researchers.
Na área académica, lecionou em várias instituições de ensino superior e é atualmente Professor Coordenador no ISVOUGA, onde coordena a Licenciatura em Engenharia de Produção Industrial, além das pós-graduações em Maquinação Avançada e Engenharia do Som.
A entrevista que se segue permite-nos conhecer melhor o seu percurso.
– Como se sente ao receber uma distinção tão prestigiante, como a Medalha Pro Ecclesia et Pontifice?
Essa é uma pergunta difícil uma vez que os sentimentos são ligeiramente antagónicos.
Numa primeira fase senti um orgulho tremendo… Receber esta condecoração do Estado do Vaticano é algo que me deixou muito orgulhoso. Não é todos os dias que somos agraciados com a Condecoração de maior valor de um Estado, em particular do Estado do Vaticano.
Depois percebi o fundamento da condecoração: “Pela dedicação ao Ensino, em particular ao Ensino de Engenharia”. Nessa altura ajuizei que todos estes anos de trabalho e dedicação deram o seu fruto.
Na sessão oficial da entrega o apresentante indica que todo este processo começou num grupo de antigos meus alunos. Compreendi que de alguma forma toquei e fui importante para eles, mesmo sem saber quando nem onde. O facto de esse grupo de alunos se organizar para iniciar este processo deixa-me mesmo muito feliz e orgulhoso… Saber que depois de acabarem a sua formação se dedicaram a elevar o meu trabalho e a forma de me relacionar com os alunos é algo único.
Mas depois cria-se um sentimento de preocupação e responsabilidade: esta condecoração vem pedir mais de mim…. Mais dedicação… Mais empenho… Até porque agora a exigência é maior e o escrutínio do meu trabalho mais rigoroso.

– O que é que esta condecoração representa, tanto a nível pessoal quanto profissional?
A nível profissional é um reconhecimento do trabalho efetuado. Normalmente o trabalho de um docente é quantificado pelo número de publicações e trabalho de investigação. Neste caso foi exaltada a dedicação no ensino e no estudante – como eu acho que deveria ser.
A nível pessoal é um marco histórico. Nada ficará igual. É o símbolo de que o sacrifício feito a todos os níveis (em particular o familiar) compensa.
– De que forma considera que a sua dedicação ao ensino da engenharia, contribuiu para a conquista desta medalha?
Tendo em conta o que foi anunciado aquando da atribuição esta Condecoração foi-me entregue pela dádiva altruísta aos estudantes. A estar presente… a aconselhar… A ver em cada estudante uma vida e não um número…. Uma vida com um passado que é preciso respeitar, compreender, integrar e acompanhar para que o sucesso académico apareça naturalmente.
Assim, se não fosse docente de Engenharia, e se não tivesse esta postura humana de tentar fazer crescer quem confia em mim para o formar penso que nunca teria recebido esta distinção.
– O que é que o levou a seguir uma carreira no ensino da engenharia?
Em primeiro lugar a vontade de continuar ligado à Academia.
Percebi, enquanto estudante, que um docente na área da Engenharia é alguém sempre em movimento… sempre à procura das novas descobertas… à procura da melhor maneira de disseminar conhecimento… de desenvolver o trabalho em prol da sociedade.
Depois foi uma questão de oportunidade: quando estava a iniciar o meu doutoramento (e sem qualquer vislumbre do que seria o meu futuro profissional) recebi o convite para lecionar no ISPGaya.
Fui muito bem recebido e adorei a experiência. Acho que só aí é que compreendi que era isto que queria fazer da minha vida.- Quais foram os principais desafios que enfrentou ao longo da sua trajetória?
Existiram muitos…
Em primeiro todos os processos de concurso para as várias Instituições de Ensino Superior.
Todo o meu percurso académico foi realizado numa visão muito prática. Poucas publicações fiz… Na altura dos concursos para entrar nos quadros essa situação penalizou-me.
Depois torna-se difícil estando a tempo parcial deixar um cunho no curso e nos alunos… Somos descartáveis… Esta situação deixou-me sempre desconfortável até encontrar a estabilidade no ISVOUGA.
Quando lá cheguei encontrei outro desafio: ser coordenador de uma equipa de docentes em que eu era o mais novo e (talvez) o mais inexperiente. Valeu a camaradagem criada e a compreensão de todos. O respeito que eles apresentaram foi exemplar e tenho ali mais do que uma equipa… posso dizer que tenho ali uma segunda família.
Existe depois outra situação que é a Investigação e Desenvolvimento. Primeiro porque este conceito é diferente na Academia e no tecido empresarial. Depois porque tem de ser realizada com projetos e fundos externos. E para quem está fora das grandes unidades FCT conseguir ganhar esses projetos, dar aulas e equilibrar a vida pessoal é impossível.
Depois existe sempre a questão cultural, de imagem e marketing… As grandes “casas” têm equipas que conseguem estar sempre a divulgar “os feitos” dos seus docentes… numa “casa mais pequena” é mais difícil criar uma imagem de competência e de excelência… na altura da decisão esta opinião generalizada na sociedade, na comunicação e nas redes sociais é fator decisivo.

– Pode falar-nos sobre alguns dos projetos de investigação que desenvolveu, e das suas conquistas, especialmente aqueles relacionados com o desenvolvimento de materiais compósitos biodegradáveis?
Desde o início eu liguei-me aos materiais compósitos.
Fiz a licenciatura pré-bolonha em engenharia mecânica. No 5º ano segui a opção de materiais e processos tecnológicos. Aí tive a oportunidade de trabalhar com os professores Torres Marques e José Luis Esteves na utilização de compósitos de carbono/epoxy para reforço de vigas de betão.
Mais tarde no mestrado comecei a olhar com preocupação para as questões ambientais e, também com o professor José Esteves, utilizei os materiais compósitos de vidro/epoxy para reduzir o uso de madeira na indústria do mobiliário.
No meu doutoramento desenvolvi, sob a orientação do professor Luís Esteves e do professor Júlio Viana (Universidade do Minho), compósitos biodegradáveis para a utilização em painéis interiores de portas automóveis.
Desde essa altura tenho-me dedicado aos materiais e processos sustentáveis. O ISVOUGA encontra-se enraizado numa grande zona industrial (entre Douro e Vouga) e tenho feito trabalhos na área da redução e do reaproveitamento de energia. Reutilização de descartes industriais entre outros.
Atualmente encontro-me a trabalhar na área de estudo do dano em materiais biodegradáveis com uma equipa que envolve também colegas do ISEP e da FEUP.
– Qual a sua visão sobre o futuro do ensino da engenharia, especialmente em Portugal?
A Engenharia é uma área em que Portugal é extremamente bom. Existe o problema de a procura estar a diminuir fruto da aversão generalizada às ciências exatas.
Assim penso que o ensino de engenharia terá de se centrar em quatro pilares:
1 – Manter a oferta das “engenharias transversais” (Mecânica, Civil, Materiais, Eletrotécnica…) procurando resposta para as áreas de inovação atuais (Biomédica, Aeroespacial…). É também necessário compreender e salientar a particularidade de cada instituição de ensino. É na diversidade que a Engenharia é forte. Os cursos de Engenharia não precisam (nem devem) ser todos iguais. Nesse aspeto ainda temos um caminho a percorrer, quer pelas instituições de ensino, quer pelas entidades que acreditam o ensino, quer pela tutela ministerial que o deve reger.
2- Apostar num quadro docente mais pedagógico e menos investigador. É preciso docentes que gostem de ensinar… Temos algumas instituições que os docentes lecionam porque é necessário para cumprir contratos porque eles são bons é na Investigação. É necessário separar definitivamente a carreira docente da carreira de investigador.
3- Valorizar o docente: torna-se necessário que o docente de engenharia se sinta valorizado financeira e socialmente para que evite procurar esta valorização no estrangeiro. Temos ótimos professores, mas que se sentem mais reconhecidos fora do país.
4- A sociedade tem de compreender que grande parte dos problemas são resolvidos pela Engenharia… É preciso valorizar a Engenharia como uma ciência que transforma a matemática e a física em respostas… É preciso desmitificar que a matemática é complicada e não serve para nada… Os currículos do ensino secundário têm de ser revistos de modo a facilitarem esta desmistificação. A Ordem dos Engenheiros tem projetos nesta área, mas têm de ser universalizados…
É preciso que a Engenharia enquanto ciência (e enquanto profissão) chegue a todo o país e não fique centrada nas grandes metrópoles.

– Que recordações tem dos seus anos na FEUP e como é que sente que a FEUP moldou a sua carreira?
Desde que entrei na FEUP senti-me atraído pela vida académica. A praxe, a tuna, o coral, o grupo de fados e o Orfeão Universitário foram grupos que ainda hoje me deixam saudades…
Tenho saudades da rua dos Bragas… As instalações podiam não ser as melhores, mas as aulas na sala 2.10 ficarão para sempre na memória. Também a sala de convívio da AEFEUP e o ginásio do Garrett onde fiz grande parte dos meus exames… são recordações que levo para a vida.
Relembro o professor Marques dos Santos (na altura diretor da FEUP) e as conversas que íamos tendo – especialmente na mudança da Rua dos Bragas. Era uma pessoa de sorriso fácil que conhecia todos os alunos e pelo qual todos os alunos tinham (e têm) um respeito filial.
Depois já nas atuais instalações recordo o espetáculo criado intitulado “Porto Sentido na FEUP”… tive a honra de estar na direção musical deste espetáculo e foi muito interessante ter professores que, naquele momento, seguiam as indicações dadas por um aluno…
Também me lembro dos “dias abertos” em que recebíamos centenas de alunos das escolas secundárias. Na altura o Prof. Carlos Magalhães Oliveira (diretor do departamento) ousou convidar alunos para assumirem a atividade e foi muito interessante divulgar o nosso departamento e cursos a outros alunos….
Também levo na memória muitos docentes e funcionários.
O tempo vivido na FEUP ensinou-me que por mais insignificante que possa parecer o meu contributo, ele é importante para o sucesso de grupo….
E ensinou-me a ter orgulho em ser Engenheiro….
Recordo uma das canções que se cantavam na Praxe:
“ Estou a estudar para engenheiro….
… o Porto verga quando passo…”
É este orgulho de ser engenheiro capaz de vencer qualquer obstáculo que fazia (e faz) parte do ADN FEUP que carrego comigo.
