
A Professora Arminda Alves com Ana Feliciano, o marido e os filhos no evento “Regresso a Casa” na FEUP em 2017
Esta edição da newsletter ADN FEUP marca o lançamento de uma nova rubrica! “Foi minha professora!” pretende sobretudo partilhar histórias que tenham ocorrido entre professores e estudantes da faculdade e que tenham tido um impacto grande no que veio a ser o percurso académico dos principais envolvidos. E arrancamos da melhor forma!
Ana Feliciano esteve à conversa com a professora Arminda Alves, docente do Departamento de Engenharia Química e Biológica (DEQB), que deu a sua Última Aula no dia 21 de fevereiro.
Ana Feliciano, 40 anos, alumna da primeira fornada do Mestrado Integrado em Engenharia Química (MIEQ), 2008, vive em Madrid e trabalha na Boston Consulting Group, na área da Energia. A propósito desta rubrica nova, fez-nos chegar um bonito testemunho, escrito na primeira pessoa:
“A 1a aula de Método Instrumentais de Análise começa, a docente era pragmática, direta, simpática e desempoeirada, exigente. A figura inspirava confiança e tinha uma dose de humor que bastava para conquistar os alunos à primeira vista. Foi também nessa primeira aula que soubemos que se não fossemos do FCP, não passaríamos à cadeira. ;)
Mais do que conselho ou ensinamento falado, a Professora Arminda é um exemplo em atos. É alguém que sabe navegar pela vida, com pulso e clareza sobre o que é prioritário e necessário. Construiu uma carreira bem-sucedida, uma família sólida, sempre com um mindset construtivo e atitude altruísta. Foi um privilégio ter sido sua aluna, desta profissional que considero exemplar e um ser humano inspirador, com o dom de contagiar todos ao seu redor.
O contributo da Professora Arminda ao Departamento de Engenharia Química vai muito mais além das aulas de MIA, mas recordo que esses dias, eram dias felizes!”
E foi com a lembrança destes dias felizes, que Ana voltou ao contacto, quase 20 anos depois da primeira aula no Mestrado Integrado de Engenharia Química, com a professora Arminda para algumas perguntas que sempre teve vontade de lhe fazer.
Antes de seguir a carreira académica, alguma vez pensou em ser professora?
Sim a minha vocação sempre foi o ensino, tendo tido a sorte de ser monitora no curso de engenharia química da FEUP ainda estudante do 4º ano.
Como é que chegou à Universidade do Porto e o que é que o motivou a escolher a área de ensino na Engenharia?
A minha escolha, ainda estudante do curso de engenharia química, foi muito influenciada pelo meu pai. Residia em Matosinhos por isso naturalmente a primeira opção era a Universidade do Porto. Na altura do liceu, eu era uma aluna muito boa a matemática, embora gostasse também de química. Acima de tudo gostava de exemplos práticos. Pensava, talvez com pouca informação, que o ingresso num curso de matemática da FCUP preencheria as minhas motivações para ingressar posteriormente no ensino. Mas o meu pai fez-me refletir “se gostas muito de matemática, mas também de química e gostas acima de tudo de conceitos práticos, porque não pensas no curso de engenharia química”? E pensei e optei… e gostei desde o primeiro minuto.
No final do curso fui convidada a ingressar na fábrica Imperial, pelo Engenheiro Virgílio Folhadela, mas ao mesmo tempo tive o convite para continuar a lecionar em engenharia química, onde já era monitora a tempo parcial. Não hesitei…
Quais foram as suas primeiras impressões acerca do ambiente académico quando começou a lecionar?
Em Engenharia Química, fruto de uma aposta estratégica, tive a sorte de acompanhar o desenvolvimento do departamento com um conjunto de recém-doutorados regressados do estrangeiro, cheios de energia e motivação, possuidores de uma bagagem de conhecimento enorme e atual. Nessa altura não era tão comum encontrar no meio académico um conjunto de professores tão distintos, como o Alírio Rodrigues, o José Luís Figueiredo, o João Rui Guedes de Carvalho, o Augusto Medina e o Sebastião Feyo de Azevedo. O ambiente era muito competitivo em termos académicos, mas gratificante pelas possibilidades de aprendizagem e crescimento pessoal.
Ao longo dos anos, quais os principais desafios que enfrentou ao ensinar os estudantes da FEUP?
Tive o maior prazer de encontrar estudantes muito motivados, desejosos de “conhecer a realidade e realizar coisas”, procurando sair do ambiente puramente da sala de aulas. Os estudantes desde o 1º ano preocupavam-se em conhecer a realidade da engenharia química com uma intenção clara de perceber o seu futuro profissional. Eram muito inquiridores e refletiam sobre muitas temáticas. As aulas eram claramente participadas, facto que sinceramente reconheço que se foi perdendo ao longo dos anos.
É fácil cativar os alunos para que se envolvam nos conteúdos da disciplina? Tem notado diferenças nesse envolvimento ao longo dos anos?
Eu estive ligada ao ensino de várias disciplinas, a principal das quais a cadeira de Métodos Instrumentais de Análise. Sendo uma cadeira de cariz laboratorial não era difícil atrair a atenção para os seus conteúdos, os estudantes eram estimulados a trazer amostras para as aulas e estudarem os conteúdos químicos das suas amostras, discutirem os resultados obtidos etc.
Há alguma história ou situação específica que recorde com carinho sobre os seus alunos?
O episódio que mais me tocou em toda a minha carreira foi a perda de uma estudante por motivo de doença. Foi muito marcante acompanhar os colegas do curso nas cerimónias de despedida, e realizar todo um acompanhamento àqueles mais próximos nos dias que se seguiram.
O que é que a motiva a continuar a ensinar, sabendo o impacto que tem na vida dos seus alunos?
Já estou reformada, mas todos os anos mantinha sempre uma grande expetativa sobre o grupo de estudantes que iria ter, de forma a procurar as melhores estratégias para uma boa aprendizagem. Para quem gosta de ensinar e a motivação é inerente à profissão, eu diria o contrário, o que me custava era não ter disponibilidade de tempo, quando estive em cargos de gestão, como a direção do departamento. Apesar de poder ter dispensa de serviço, fiz sempre questão de lecionar pois fazia-me bem o contacto com os estudantes.
O que pensa que mudou no ensino e na aprendizagem ao longo dos anos, desde que começou a sua carreira? Como vê o futuro e as novas gerações no que toca ao ensino da engenharia? O que podemos esperar?
Julgo que há dois aspetos incontornáveis que fazem mudar o ensino ao longo do tempo: (1) o perfil do estudante, pois os jovens estão mais habituados a consumir conteúdos rápidos, interativos e visuais, e o modelo tradicional de aula expositiva já não capta tanto a atenção dos alunos, que preferem metodologias mais ativas, como problem-based learning e projetos colaborativos; (2) acesso à informação, que se tornou quase ilimitado, o que coloca novos desafios na seleção e validação do conhecimento.
Como vejo o futuro do binómio ensino / aprendizagem para as novas gerações?
O ensino da engenharia evoluiu da transmissão expositiva para um modelo mais interativo e digital. Os alunos de hoje preferem abordagens ativas, valorizando competências transversais, como pensamento crítico e trabalho em equipa. A sustentabilidade e a responsabilidade social tornaram-se centrais na formação. O futuro trará ensino personalizado, inteligência artificial e maior ligação à indústria. O engenheiro do futuro será versátil, inovador e preparado para desafios globais.
Um episódio, um projeto, visita ou momento que o tenham marcado de forma positiva, ao longo deste seu percurso e que possa partilhar?
Não sendo especificamente um episódio, mas gostaria de salientar com muito agrado a importância das visitas de estudo a empresas, a postura interventiva dos estudantes na colocação de questões. Ao observar processos industriais, infraestruturas e tecnologias em funcionamento, os estudantes ganhavam uma perspetiva realista da profissão.
De que forma é que a relação com os professores pode contribuir para o sucesso académico dos estudantes?
Procurei sempre ter uma boa relação com os estudantes, pois penso que melhora a sua motivação e facilita a aprendizagem, não havendo receios dos estudantes colocarem as suas dúvidas, estimulando o pensamento crítico. Em certos casos, o apoio e orientação individualizados ajudam a superar dificuldades e a desenvolver autonomia. Eu própria, enquanto estudante de engenharia química, tive professores que guardei para toda a vida como uma referência, e acredito que isso é muito bom.