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“Foi meu/minha Professor/a” pretende partilhar histórias sobre a relação entre estudantes e professores ao longo dos anos e de como essa dinâmica é transformadora na experiência universitária.
Nesta segunda edição, Ana Alves Ribeiro esteve à conversa com José Fernando Oliveira, diretor do Departamento de Engenharia e Gestão Industrial e investigador da FEUP. Que lembranças perduram do tempo em que estudou na faculdade e de que forma o professor marcou esse percurso?

Ana Alves Ribeiro tirou dois Mestrados Integrados na FEUP, Engenharia do Ambiente em 2010 e Engenharia e Gestão Industrial, que terminou em 2014.
Atualmente trabalha como Production Manager numa indústria química em Matosinhos.

Diz-nos sem hesitações que o professor José Fernando Oliveira, com quem teve aulas no curso de Engenharia do Ambiente, “foi o primeiro professor que se esforçou mesmo por explicar os conceitos, até eu os entender!” “Parece estranho”, avança Ana Alves Ribeiro, para depois concretizar a ideia: “Senti mesmo isto, e percebi que mesmo que seja verdadeiramente cansativo, este cuidado e capacidade de ensinar de várias formas diferentes é, na minha opinião, o que distingue um bom professor.”
Esta entrevista ganha contornos ainda mais interessantes depois de sabermos que numa das últimas aulas o professor a convidou a sair mais cedo da sala de aula! “Foi no último dia de aulas do ano! O professor, sempre com paciência, foi-me deixando conversar durante o semestre inteiro com um colega, só que na última aula fartou-se e expulsou-nos aos dois!”.

 

Antes de seguir a carreira académica, alguma vez pensou em ser professor/a?
Sempre pensei em ser professor. Nunca imaginei seguir outra carreira que não fosse a do ensino. Embora uma carreira no ensino superior apenas se tenha delineado no final da minha licenciatura de cinco anos, sempre senti prazer em ajudar os outros a aprender. Ainda no que seria hoje o 3.º ciclo do ensino básico e no ensino secundário, já dava explicações a colegas. Terminado o curso, em 1985, concorri a um lugar de assistente estagiário para dar aulas, dado que o conceito de investigação nem existia para mim. Tinha recebido um convite de uma das maiores empresas internacionais da minha área de formação, a Texas Instruments. Fui à entrevista e ofereceram-me um emprego com um ordenado de 120 mil escudos mensais. Acabei por recusar esta oportunidade para concorrer à FEUP, onde o salário era de 90 mil escudos mensais. Para mim, nunca houve um antes de querer ser professor.

 

Como é que chegou à Universidade do Porto e o que é que o motivou a escolher a área de ensino na Engenharia?
Cheguei à Universidade do Porto como estudante de Engenharia Eletrotécnica, tendo sido admitido na primeira opção. Proveniente de uma origem humilde, a educação que recebi no ensino público funcionou como um verdadeiro elevador social. No entanto, a verdade é que nem todas as profissões permitiam, pelo menos nos anos 80, que alguém se afirmasse no mercado de trabalho sem uma rede de apoio. A Engenharia era, é e será sempre uma profissão em que o mérito pessoal pode fazer tudo ou quase tudo. Acresce um gosto especial em entender o porquê das coisas e, em particular, a nova máquina elétrica que tinha surgido e que se dizia que iria revolucionar o mundo.
Após concluir o curso de Engenharia Eletrotécnica, na especialização de Sistemas Digitais e Computadores, essa seria, naturalmente, a minha área de desenvolvimento e ensino. No entanto, não foi isso que aconteceu. No último ano do meu curso, tive uma disciplina em que descobri que se podia usar matemática (que eu adorava) através de computadores (que me tinham levado para o curso) para resolver problemas reais das pessoas e das organizações (sendo engenheiro): a Investigação Operacional. Ao fim de 40 anos de carreira, continuo a investigar, a ensinar e a transferir esse conhecimento para as empresas e outras organizações.

 

Quais foram as primeiras impressões acerca do ambiente académico quando começou a lecionar?
Uma universidade que já não era a que a ditadura tinha instituído, de terceiro mundo, mas que ainda não era a universidade de que nos orgulhamos hoje por estar ao nível das melhores universidades europeias. Havia desafio, muita entropia, muita liberdade, alegria, muitas aulas, democracia no ambiente académico, poucos recursos, muito voluntarismo e muito trabalho para transformar e desenvolver a universidade.
Integro o INESC TEC um instituto de investigação associado à FEUP e à Universidade do Porto, desde a sua fundação no Porto, em 1985. Era um sítio onde a nossa competência nos definia, independentemente de sermos Professores Catedráticos ou Assistentes. Era um sítio que se via como um motor das transformações necessárias na universidade. Na universidade, requisitar uma esferográfica exigia preencher mais impressos do que a tinta da esferográfica de que precisávamos (exagerando, claro) e no INESC bastava abrir um armário e pegar na esferográfica desejada. Havia máxima responsabilidade e máxima exigência.

 

Ao longo dos anos, quais os principais desafios que enfrentou ao ensinar os estudantes da FEUP?
São apenas os desafios naturais de os estudantes serem pessoas. As pessoas são diferentes: aprendem de forma diferente, têm diferentes motivações e gostos. O maior desafio foi sempre o de ir ao encontro de cada um dos meus estudantes. E por isso nunca me cansei desta profissão: é sempre diferente.

 

Os alunos atuais são muito diferentes dos estudantes de anos anteriores e até dos da sua geração?
São muito diferentes. Os estudantes, em média, são cada vez melhores. São intelectualmente mais dotados, melhor preparados, trabalham mais e têm interesses mais diversificados, o que os torna seres humanos mais complexos e interessantes. Em suma, são muito melhores do que eu e a minha geração. E os do próximo ano serão ainda melhores. Este fenómeno resulta do desenvolvimento do país, de um ensino público pré-universitário inclusivo e de qualidade (que não se pode dar como garantido para o futuro), mas também do facto de a FEUP receber cada vez mais a nata dos estudantes, tanto a nível académico como social, dado estas duas características estarem fortemente correlacionadas. A desigualdade existe! Mas o desafio para nós, professores, não é trabalhar para os melhores, para os estudantes espetaculares que descrevi. É trabalhar para o aluno mediano e, se possível, para os piores estudantes com quem nos deparamos em sala de aula: esses é que precisam verdadeiramente de nós.

 

É fácil cativar os alunos para que se envolvam nos conteúdos da disciplina? Tem notado diferenças nesse envolvimento ao longo dos anos?
Como já referi, ensino Investigação Operacional, que para alguns cursos é uma unidade curricular no centro dos interesses dos seus estudantes, e para outros cursos é marginal. Todos os estudantes podem ser cativados se nos adaptarmos às suas diferenças. Não se pode ensinar o mesmo a todos e da mesma forma. Por outro lado, é preciso instaurar uma cultura de sucesso. É importante fazer os estudantes sentirem que são capazes, gostem mais ou menos da unidade curricular, que o sucesso não é algo inatingível. O segredo para os aliciar na perseguição da excelência é fazê-los sentir o sabor do sucesso. A grande diferença que tenho notado ao longo dos anos não está nos estudantes, mas sim em mim.

 

Há alguma história ou situação específica que recorde com carinho sobre os seus alunos?
Há poucos anos, estava numa aula teórica num dos “queijos” com o anfiteatro praticamente cheio. Era a última aula do semestre. Cultivo uma boa relação com os meus estudantes, mas sou bastante exigente em relação às suas atitudes e comportamentos. Fico desesperado quando os estudantes entram atrasados numa aula, e muito mais quando saem a meio da aula (normalmente com razões válidas). Estava eu a “digerir” a entrada tardia de um pequeno grupo de estudantes quando, já depois de a aula ter tido início, uma das estudantes da primeira fila, que eu conhecia bem por ser também minha aluna nas aulas práticas, se levantou e se dirigiu à porta. Fulminei-a com o olhar e ela olhou para mim e disse em voz alta: “Já venho, professor”. Continuei e, passados cinco minutos, a estudante reentrou com um sorriso aberto e um saco de papel castanho na mão. No final da aula, despedi-me da turma e, quando terminei, a estudante pôs-se de pé e começou a falar, agradecendo em nome dos colegas o meu trabalho e a minha dedicação naquele semestre e esticando o braço ofereceu-me o saco de papel castanho. Abri-o e tinha um queque de chocolate comprado no bar da biblioteca. Nunca recebi um presente tão bonito e não consegui evitar que as lágrimas me caíssem dos olhos quando todos começaram a bater palmas.  Isto é muito mais valioso do que os 30 mil escudos de que abdiquei quando iniciei a minha carreira e ao longo de toda ela.

 

O que é que o/a motiva a continuar a ensinar, sabendo o impacto que tem na vida dos seus alunos?
A possibilidade de ter mais um queque de chocolate.

 

O que pensa que mudou no ensino e na aprendizagem ao longo dos anos, desde que começou a sua carreira? Como vê o futuro e as novas gerações no que toca ao ensino da engenharia? O que podemos esperar?
Muita coisa mudou e irei apenas enumerar os três temas que considero mais importantes. Em primeiro lugar, a centralidade do estudante no processo de ensino. De facto, os estudantes deixaram de ser sujeitos passivos desse processo para se tornarem cocriadores do seu próprio processo de aprendizagem. Em segundo lugar, o ensino é agora muito mais prático e laboratorial. Em terceiro lugar, o ensino é muito menos dogmático. A fonte de conhecimento deixou de ser exclusivamente o professor e os seus apontamentos, passando a ser o mundo.
O papel do professor mudou, passando este a ser muito mais um mediador e validador da aquisição do conhecimento do que a sua fonte. Quanto ao futuro, este decorre destes três fatores. Prevejo um ensino da engenharia com mais autonomia dos estudantes, menos ancorado nas áreas científicas tradicionais e mais baseado em projetos interdisciplinares. A informação está em todo o lado e o ensino do futuro terá de incidir na capacidade dos estudantes em hierarquizarem, validarem e filtrarem essa informação.

 

Quais são os seus principais objetivos agora, tanto no ensino, quanto na investigação?
No que diz respeito ao ensino, continuo com os mesmos objetivos de há 40 anos: ver os olhos a brilhar quando digo algo que toca e penetra o intelecto dos meus estudantes. Fazer com que as pessoas sintam a alegria e a recompensa intelectual que a aprendizagem proporciona. Fazer os estudantes apaixonarem-se pela descoberta e pelo desconhecido. Em suma, trazer para o ensino a atitude e as competências necessárias para a investigação. Dado que esta entrevista está muito centrada no ensino, não será este o momento para falar de projetos futuros de investigação. No entanto, há uma mensagem importante que gostaria de deixar: a minha paixão e dedicação ao ensino nunca comprometeram a minha afirmação ou desempenho como investigador. Não é verdade que seja necessário descurar o ensino para se ser um investigador de excelência. Finalmente, continuo a ter como objetivo receber mais queques de chocolate.

 

De que forma é que a relação com os professores pode contribuir para o sucesso académico dos estudantes?
Não poderia haver melhor forma de terminar esta entrevista do que com esta pergunta. A relação com os professores não contribuiu para o sucesso académico dos estudantes: esta relação é fundamental para o seu sucesso. Sem afetos, não há aprendizagem eficaz. As neurociências há muito que demonstraram que as emoções impactam diretamente a aprendizagem e a forma como perdura no nosso cérebro. Hoje em dia, isto não é uma questão de opinião, mas sim um facto científico. Por isso, se me perguntarem qual é o segredo para o sucesso pedagógico de um professor, a minha resposta é simples: amar todos e cada um dos seus estudantes. É necessário sentir com eles os seus sucessos e insucessos, ter uma genuína preocupação com os estudantes. Como escreveu Santo Agostinho, filósofo cristão: “Ama e faz o que quiseres”. Eu diria: “Ama os teus alunos e eles aprenderão, e tu serás um bom professor”.

E tu? Que professor ou professora te marcou durante a tua passagem pela FEUP? Gostavas de o/a entrevistar? Envia-nos a tua sugestão para Alumni@fe.up.pt

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