
Paulo Garcia, docente do Departamento de Engenharia Química e Biológica da FEUP, e coordenador dos cursos “Introdução ao New Space” e “Introdução ao Ambiente Espacial”, do FEUP L3.
Dois cursos de formação contínua, um objetivo comum: ajudar os formandos a “chegar ao Espaço”. Chamam-se “Introdução ao New Space” e “Introdução ao Ambiente Espacial” e integram as apostas mais recentes do FEUP L3 – o Centro de Formação ao Longo da Vida da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). Sob a coordenação de Paulo Garcia, docente do Departamento de Engenharia Química e Biológica (DEQB), e da colaboração da Synopsis Planet, uma empresa parceira que atua na área da Engenharia Espacial, fomos tentar saber qual a perspectiva da academia e do mercado relativamente a esta nova oferta.
O Espaço: tão longe, mas tão perto
Ainda que a distância ao “Espaço” seja grande, a evolução do conhecimento tem contribuído para a sua “diminuição”. Pelo menos é essa a visão de Paulo Garcia relativamente ao contributo da Faculdade de Engenharia para isso acontecer. “Temos inúmeras atividades ligadas ao Espaço na FEUP – aliás, nunca teríamos aberto a licenciatura em Engenharia Aeroespacial, acreditada pela A3ES, se não fosse essa a realidade”, introduz o docente. “Essas atividades estão distribuídas um pouco por toda a faculdade, institutos de interface e unidades de investigação, e vão desde as áreas de eletrotécnica e informática, até à engenharia física, mecânica, entre outras”, acrescenta.
De acordo com o docente do DEQB, estes recursos, associados à enorme vontade de complementar a oferta formativa da faculdade com tópicos relacionados com o Espaço, foram determinantes para a criação destes dois novos cursos. “Por um lado, a formação nestas áreas surgiu pela sua afinidade com as atividades que temos a nível de investigação; e, por outro, devido ao facto de reconhecermos que se trata de uma área transversal”, comenta Paulo Garcia. E é precisamente essa “transversalidade” que torna esta nova aposta de formação contínua uma “mais-valia”.
“Estas unidades de formação vão permitir que muitos profissionais das diversas engenharias mais ‘clássicas’ sejam introduzidos a tópicos de Engenharia Aeroespacial, uma vez que uma boa parte deles provavelmente não contactou com eles anteriormente. Neste sentido, estes cursos aparecem, de certa maneira, para abrirem uma porta para o ‘Espaço’ a estes engenheiros de diferentes backgrounds”, comenta o docente. Visão corroborada pela Synopsis Planet, uma startup sediada em Lisboa, focada no desenvolvimento de soluções de hardware para aplicações espaciais.
Segundo Paulo Gordo, CEO da empresa, “a Synopsis tem pessoas nos seus quadros que, de alguma maneira, requerem uma formação específica na área do Espaço, uma vez que o perfil dos contratados não envolve a formação em Engenharia Aeroespacial, nem experiência nesta área”. “Continuamos a ter falta de pessoas qualificadas e com interesse nestas temáticas, e é muito positivo que os cursos de formação contínua que a FEUP está a desenvolver possam ajudar a resolver esta questão. Por um lado, vêm colmatar, de certa forma, a falta de know-how que existe na indústria, por outro, amplificam a divulgação destes tópicos para potenciar a atração de talentos”, comenta.
Duas “portas” para o Espaço
Apesar de o FEUP L3 dispor de uma oferta mais alargada relacionada com este tema, Paulo Garcia está a coordenar dois cursos que proporcionam aos formandos diferentes abordagens ao Espaço: uma mais “tradicional”, outra mais “moderna”. Introdução ao Ambiente Espacial explora as características do Espaço às quais um determinado dispositivo/sistema vai estar submetido. “Quando se desenha um sistema deste tipo, é importante fazê-lo corretamente, adaptando-o aos fatores do meio que o vai envolver, para que o sistema ‘sobreviva’ e se mantenha estável ao longo do tempo”, partilha o docente.
“No caso do ambiente espacial, há fatores ambientais que podem não ser expectáveis logo à partida. Dois deles são a eletricidade estática – descargas elétricas fortíssimas que destroem equipamento eletrónico sensível -, e a radiação de partículas, que, quando em contacto com o sistema eletrónico, o deteriora lentamente e faz com que deixe de funcionar normalmente durante algum tempo”, explica Paulo Garcia. “No curso, abordaremos um conjunto de aspetos como estes, sob o ponto de vista da Física e da Engenharia”.
No caso do curso Introdução ao New Space, o Espaço será analisado sob uma perspetiva diferente. “A visão do New Space envolve uma abordagem mais ‘aérea’ e menos institucionalizada, quando em comparação com o espaço ‘antigo’ – associado essencialmente à NASA e à ESA, que subcontratam grandes indústrias. Esta nova realidade abrange pequenas empresas e é um sistema muito mais próximo de um sistema normal ‘comercial’ na Terra, em que as empresas envolvidas são inúmeras, os ciclos de desenvolvimento são muito mais rápidos, correm-se mais riscos, e os preços são muito mais baixos”, avança o docente do DEQB.
“A ideia do curso de New Space é introduzir a Engenharia Espacial de um ponto de vista mais global, atendendo ao facto de a maioria das suas atividades serem novas – veja-se, a título de exemplo, o que tem sido feito pela SpaceX, com um desenvolvimento rápido que contrasta com as missões espaciais por natureza muito mais lentas”, refere Paulo Garcia. “Nesta unidade de formação vamos falar de mercados, de oportunidades profissionais, de empresas, estudos de caso, envolvendo altos quadros de empresas, que vão partilhar a sua visão sobre o News Space – de certa maneira, mais estratégica, e também mais comercial e de mercado”.
Em sintonia quase perfeita, Paulo Gordo reforça as palavras do docente da FEUP. “Eu já trabalho na área do Espaço há 20 anos. Quando comecei, quem queria trabalhar nesta área ambicionava entrar na ESA, na Nasa, ou para o governo. Ou seja, não havia uma indústria ‘comercial’ tão emergente como hoje em dia, e o Espaço era muito mais institucionalizado: os lançadores eram institucionais, os satélites eram dos governos, entre outros aspetos. A tecnologia na Terra estava muito mais avançada quando comparada com o que se fazia no Espaço. Mas isso era a maneira de se trabalhar há uns anos”, comenta o CEO da empresa.
“Com o tempo, foram desenvolvidas novas formas de trabalhar, havendo uma explosão desta nova área – o New Space. Ou seja, deixou de se perder muito tempo muito tempo em todas as etapas de desenvolvimento e construção dos dispositivos do Espaço, e os custos associados a tudo isto são muito mais acessíveis. O New Space trouxe o acesso ao Espaço às massas, e, deste modo, pessoas imaginativas, com soluções técnicas boas, encontram um contexto em que com satélites pequenos – que têm cada vez mais capacidades – conseguem montar serviços, projetos e testar tecnologias, o que nunca seria possível no meu tempo”, acrescenta.
A emergência de uma “nova era”
O período de inscrições para os dois cursos já encerrou, o que permite fazer-se um balanço sobre a recetividade a esta nova aposta. Segundo o docente-coordenador destas unidades de formação, “houve uma boa adesão aos cursos”. “Tivemos vários perfis de pessoas a inscreverem-se. Acredito que, por um lado, pesaram os seus interesses pessoais, porque hoje em dia há muitas pessoas que têm um gosto especial pela área do Espaço; por outro, devido ao facto de a FEUP ser uma referência no ensino da Engenharia”, aponta Paulo Garcia.
“Captamos muitos estudantes e pessoas que não têm ligação à FEUP, com um de dois tipos de perfil: ou são pessoas que estão ligadas a empresas do ramo, ou profissionais de outras áreas que decidiram inscrever-se, algumas delas cuja formação inicial não é afim à área do Espaço, mas que eventualmente terão interesse em aprofundar conhecimentos nestas áreas. Ter-se-ão inscrito ainda pessoas que eventualmente não tiveram média para entrar em Engenharia Aeroespacial e acabaram por seguir outro curso, mas querem conhecer melhor a área para firmarem um percurso profissional na área do “Espaço”, aponta o docente. E nesta linha de pensamento, a reflexão vai mais longe.
“Eu diria que é perfeitamente possível tirar um curso em outra área mais ‘banda-larga’ – como Eletrotécnica, Mecânica ou Informática – e depois usar estes cursos para trabalharem no “Espaço” – até porque muitas pessoas que trabalham no Espaço têm formações muito diversas e acabaram por trabalhar por esta área”, reflete Paulo Garcia. Esta ideia teria sido reforçada anteriormente pelo CEO da Synopsis Planet, que partilhou que esta realidade se verifica na sua empresa.
Mas voltando ao tópico da adesão, Paulo Gordo faz ainda uma outra partilha: “Nós incentivamos os nossos colaboradores a inscreverem-se nos cursos e temos bastantes que o fizeram. Alguns fizeram-no para conhecer novas temáticas, outros para aprofundar os seus conhecimentos numa determinada área. Por isso, esta oferta é muito positiva, pois envolve uma estratégia abrangente que toca nos pontos mais críticos da área do Espaço. Os cursos parecem ser genéricos o suficiente, e ao mesmo tempo específicos o suficiente, para atrair as pessoas”.
O futuro desta aposta
Na construção desta nova oferta, foram envolvidas formalmente duas empresas do setor: a GMV e a Synopsis Planet. Mas a colaboração com o tecido empresarial não se ficará por aqui. Segundo Paulo Garcia, serão envolvidas “muitas outras empresas nestes cursos”. “Contaremos com a participação de inúmeras entidades nas nossas formações: umas ligadas à agenda New Space, outras que, embora não estejam associadas a esse projeto, têm um know-how importante”, comenta o docente. E este será um dos passos edificadores de um futuro com objetivos bem traçados.
“Com estes cursos, vamos mobilizar capital humano interessado nestas áreas, que permitirá desenvolver inúmeras iniciativas relacionadas com o Espaço. Por um lado, estaremos perante um tipo de formação em que participarão várias empresas, e, por outro, receberemos estudantes ligados a outras entidades. Com isto, acreditamos reunir as condições para a criação de hub ligado à Engenharia Espacial na FEUP”, avança o docente.
“Estamos agora a ter uma primeira versão destes cursos, mas muito provavelmente, em setembro, teremos outra, uma vez que tivemos uma grande procura. Tentaremos evoluir com base nesta primeira experiência e, em alguns cursos, teremos uma componente experimental, “mãos-na massa”, com casos específicos, o que poderá ser muito interessante para os formandos. Queremos, para além disto, trazer as várias especialidades da FEUP para esta área, permitindo criar uma visão e uma abordagem mais transversal e abrangente ao Espaço”, conclui.
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Na área do Espaço, e também com a parceria da Synopsis Planet, estão ainda abertas as incrições para o curso Introdução à Ótica Espacial. Saiba mais informações e inscreva-se através deste link.