Sistemas de Informação na Construção:Especificidade do sector da construção

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Aspectos gerais

A constatação de que existem sectores da indústria em que há muito se empregam sistemas de informação eficientes, frequentemente aceites como standard nas áreas respectivas, conduz de uma forma quase inevitável à sugestão da sua aplicação à construção civil.

Compara-se, no presente subcapítulo, a indústria da construção com outras actividades industriais, tendo em conta as características que influenciam o desenvolvimento de boas práticas na área da gestão da informação. Naturalmente, a adopção e o desenvolvimento destas boas práticas não eliminam o risco de ocorrência de deficiências originadas na fase de projecto. As indústrias automóvel (Bates et al. 2007), (Lee 1998), aeronáutica (Leveson 2000) e aeroespacial (Rogers 1986) registam casos documentados de deficiências associadas a falhas de projecto, algumas das quais com consequências trágicas. Ainda assim, estas indústrias desenvolveram práticas de trabalho que resultaram numa transição entre as fases de projecto e de produção que não têm sido emulados na indústria da construção civil.

Interessa estudar as características do sector da construção que dificultam a importação das soluções que se têm revelado úteis em outras áreas.

Um sector “low-tech”?

A construção foi, até meados do século XIX, a actividade industrial com maior consumo de recursos humanos e materiais (Eastman 1999). Embora outras actividades industriais tenham tido um papel relevante no progresso científico das sociedades – nomeadamente a construção naval, entre outras – pode-se afirmar que durante este período, a construção foi um sector “de ponta” em termos de tecnologia.

Esta supremacia foi rapidamente invertida durante o último século. A indústria automóvel, por exemplo, tem vindo a produzir um impacto significativo na sociedade, que se estende para lá dos aspectos tecnológicos e económicos que lhe são inerentes. Com efeito, muitos dos princípios de gestão adoptados nas mais diversas actividades económicas tiveram origem na indústria automóvel – desde o Fordismo, ao Total Quality Management, passando pela filosofia Lean.

Assim, a supremacia tecnológica verificada no sector da construção foi suprimida de forma que hoje, o custo de desenvolvimento de produtos nas indústrias automóvel, aeroespacial ou electrónica excedem largamente o custo de projecto de qualquer edifício (tanto em termos relativos como em termos absolutos – ver Tabela 1).

O sector da construção tem-se distinguido das outras actividades industriais também na questão da produtividade. A produtividade é medida usualmente pelo quociente entre o Valor Acrescentado Bruto (ou o Valor Bruto da Produção) e o número de trabalhadores (ou o número de horas de trabalho). Embora esta abordagem não seja isenta de críticas, nomeadamente devido à dificuldade de quantificar a mão de obra na construção, esta forma de medir a produtividade é usada nos trabalhos consultados que comparam o desempenho da construção com o de outras indústrias (Teicholz 2004), (Baganha et al. 2002). De acordo com o último trabalho referido, a produtividade da construção nacional é 30% inferior à produtividade total no país. Conclui-se ainda que a produtividade no sector da construção civil e obras públicas tem registado oscilações não muito significativas ao longo dos últimos anos. De acordo com Teicholz, com base em valores registados nos EUA nos últimos 40 anos, a produtividade no sector da construção tem sofrido igualmente pequenas variações, sendo actualmente cerca de 10% inferior ao valor de referência (de 1964). Em igual período, a produtividade dos restantes sectores da indústria mais do que duplicou. As desvantagens metodológicas referidas, inerentes à adopção de medidas de produtividade do tipo usado nos trabalhos citados são, de alguma forma, mitigadas pela consideração de uma longa série de dados que permite não só comparar indústrias diferentes, mas também avaliar as oscilações de produtividade verificadas em cada sector individual.

Perante esta realidade, não se pode deixar de constatar que a indústria da construção é, em termos relativos e usando uma expressão anglo-saxónica, low-tech.

Um estudo efectuado pela e-Business W@tch (ver site respectivo e texto integral de tese para consultar diagramas e critérios referidos neste parágrafo e seguintes) descreve diferenças registadas no uso de tecnologias da informação em dez sectores da indústria (e-Business W@atch 2005), (e-Business W@atch 2006). Os critérios A a D, usados para medir a difusão de tecnologias da informação podem ser descritos, de forma muito sucinta, da seguinte forma (e-Business W@atch 2004):

  1. Conectividade da empresa (caracteriza ligações dos computadores da empresa a redes internas e à Internet);
  2. Automação dos processos de negócio internos (mede a utilização de intranets, de sistemas ERP, de sistemas de controlo de produtividade e impacto percebido da utilização de aplicações e-business nos processos internos da empresa);
  3. Procurement e integração da cadeia de fornecedores (mede o número de empresas que efectuam compras na Internet, que integram os seus sistemas de informação com os dos seus fornecedores, que com eles trocam documentos electrónicos que não e-mails e que empregam sistemas de gestão da cadeia de fornecimento);
  4. Marketing e vendas (mede o número de empresas que recorrem a sistemas CRM – Customer Relationship Management –, as vendas efectuadas na Internet, a segurança das transacções online e a forma como os funcionários interagem com os sites das empresas).

No estudo de 2005 são comparadas empresas com menos de 50 trabalhadores em sete países da União Europeia (República Checa, Alemanha, Espanha, França, Itália, Polónia e Reino Unido). No estudo de 2006, o mais recente à data de publicação deste trabalho, são acrescentados três outros países (Dinamarca, Hungria e Finlândia) e são consideradas empresas de dimensões superiores pelo que os resultados não são estritamente comparáveis. Os resultados apresentados permitem retirar as seguintes conclusões:

  1. O sector da construção apresenta uma muito reduzida difusão de tecnologias da informação em comparação com outros sectores industriais, classificando-se em último lugar entre os sectores avaliados no estudo de 2005. Esta conclusão seria relativamente previsível dado que o peso das pequenas empresas no sector da construção é muito elevado (ver também Fig. 6). O desempenho relativo das empresas do sector da construção nos estudos referidos é justificado da seguinte forma:
  2. A dimensão das empresas (em qualquer sector) é um factor determinante para justificar o seu desempenho de acordo com o indicador de adopção de tecnologias da informação e comunicação: empresas maiores registam invariavelmente classificações superiores àquelas das empresas menores do mesmo sector de actividade.
  3. A natureza não-standard do serviço prestado pelas empresas do sector da construção dificulta a adopção de soluções padrão na área das tecnologias da informação.
  4. O mau desempenho da indústria da construção neste índice mantém-se, mesmo comparando empresas de dimensões similares.

Características do produto

Em geral, a função “produção” desenvolvida na indústria transformadora pode ser encarada, de forma simplificada, como um processo dividido em três fases distintas (Grieves 2006):

  1. O fabrico do primeiro exemplar (o protótipo);
  2. A optimização dos procedimentos relacionados com a produção;
  3. A produção propriamente dita.

Na realidade, estas fases não costumam ser claramente delimitadas. Com efeito, o “protótipo”, em geral, não é uma versão final do produto a desenvolver. A optimização dos procedimentos pode não ser atingida de forma imediatamente perceptível pelo que, por vezes, só uma análise retrospectiva do historial de produção permite a definição de um momento a partir do qual o ritmo de produção e a qualidade do produto se mantêm relativamente estáveis, o que dificulta a diferenciação das duas últimas fases referidas.

O produto da construção apresenta quase invariavelmente as características de um protótipo: raramente faz parte de uma série de produtos idênticos. A fase de “execução” do processo construtivo (ver 2.4.2) não passa, pois, da primeira das três fases aqui referidas. Apresenta-se em seguida uma descrição sucinta desta primeira fase, no âmbito de um processo de produção típico da indústria transformadora:

O fabrico do primeiro produto é a primeira fase do processo de produção. Dado que se encontra na fronteira entre a “engenharia” [nota: a designação equivalente , no contexto da construção, será “projecto”] e a produção, não é claro onde termina a “engenharia” e começa a produção. Nesta intersecção, o fabrico do primeiro produto representa uma importante potencial fonte de desperdício de tempo, de energia e de material enquanto se procura conciliar o produto “conforme o projecto” (as-designed) com o produto “conforme o produzido” (as-built). Para além disto [ …] poderá haver um significativo esforço na partilha ad-hoc de informação entre a “engenharia” e a produção. (Grieves 2006)

Embora este texto tenha sido citado a partir de um documento que foca sobretudo a indústria transformadora, parece evidente que seria igualmente adequado para descrever as dificuldades de coordenação habitualmente verificadas em projectos de construção. Admite-se, pois, que uma parte significativa das características que são frequentemente apontadas como específicas da indústria da construção seja, afinal, partilhada por outros sectores da indústria, pelo menos durante uma parte do processo de fabrico.

O que sucede depois do fabrico do protótipo ajuda a explicar a maior eficiência geralmente apontada aos procedimentos correspondentes à etapa de produção na indústria transformadora quando comparada com a indústria da construção: na construção, a “curva de aprendizagem” é sucessivamente interrompida após a execução de cada novo produto. Isto significa que o sector da construção acaba por viver permanentemente nas primeiras etapas da curva de aprendizagem, caracterizadas pela ineficiência, isto é, pelo “desperdício de tempo, de energia e de material”.

Tecnologias de fabrico

A construção civil é caracterizada por uma enorme variedade de sistemas e de componentes disponíveis nas fases de projecto e seguintes. Novos materiais de construção são lançados no mercado a um ritmo acelerado por um grande número de fornecedores distintos, de dimensões variáveis. Muitos dos componentes que chegam ao mercado têm propriedades, em rigor, desconhecidas ou insuficientemente documentadas. Assim, num produto de construção, a qualquer exigência de desempenho poderão ser associados um número significativo de soluções alternativas.

Esta dificuldade em estabelecer um conjunto finito de pares correspondentes exigência-solução que seja suficientemente abrangente e detalhado para caracterizar a generalidade dos fluxos de trabalho que constituem a actividade de projecto ilustram, de alguma forma, a dificuldade associada ao desenvolvimento de modelos de informação detalhados para a construção. Em síntese, a variedade dificulta a padronização.

A actividade de projecto consiste, em larga medida, à preconização de soluções construtivas que correspondam às exigências identificadas. Assim, as exigências de desempenho podem ser encaradas como inputs e as soluções construtivas como outputs de um processo que consiste na produção de uma representação de um produto de construção. Segundo a teoria de sistemas, um processo é uma forma determinística de ligar inputs a outputs (Grieves 2006). De acordo com esta definição, as actividades de projecto não podem, regra geral, ser classificadas como processos. Assim, contrariamente ao que a terminologia corrente parece indicar, na actividade de projecto quase não existem processos de trabalho. Isto explica a dificuldade em obter-se outputs consistentes a partir de um conjunto comum de inputs.

Na realidade, as actividades não se podem resumir a uma categoria única – processos – mas, ao invés, podem ser classificadas de formas distintas em função do grau de definição dos seus inputs, dos seus outputs e das ligações entre ambos.

Num extremo do espectro correspondente a esta classificação estão os processos. Os processos exigem inputs bem identificados para que, de uma forma determinística, se obtenham outputs específicos e consistentes. Um processo pode ser inteiramente programado, no sentido informático do termo.

No extremo oposto do espectro está a arte. Não é possível identificar todos os inputs necessários à actividade, nem a forma como esses inputs serão usados. Da variedade de outputs possíveis, são seleccionados os que são considerados aceitáveis por quem os produz. Estas actividades encerram um elevado grau de incerteza e são frequentemente ineficientes. Não é, pois, de estranhar que as organizações procurem aproximar as suas actividades aos processos.

As actividades realizadas na construção podem ser classificadas, regra geral, como práticas. Nas práticas, os inputs e os outputs estão razoavelmente bem definidos, embora a ligação entre ambos não o seja. Os processos desenvolvem-se em ambientes bem controlados, o que não sucede com as práticas.

A forma como um desenhador representa um produto de construção é uma prática, assim como o é a interpretação desse desenho. Em ambos os casos, factores como a experiência dos intervenientes ou a sua formação académica têm uma influência importante no resultado das actividades.

Dada a maior consistência nos resultados dos processos e a sua maior eficiência, não é de estranhar que as organizações procurem transformar as suas práticas, aproximando-as daqueles. A representação simplificada de actividades sob a forma de fluxogramas ilustra este esforço.

De acordo com o que foi referido anteriormente, na indústria da construção a variabilidade de outputs possíveis para cada situação é um dos factores que dificultam a parametrização das actividades. Assim, algumas tarefas, principalmente as que se situam na fase de projecto do processo construtivo, aproximam-se claramente mais de uma arte do que de um processo.

É claro que não é desejável que a indústria da construção se transforme num conjunto de processos. Os processos não produzem resultados originais nem exclusivos. O mercado exige uma gama infinita de potenciais outputs da indústria da construção e estes simplesmente não podem ser obtidos com recurso a actividades classificadas como processos, mesmo que tecnicamente estas possam produzir resultados satisfatórios. Assim, a construção continuará a ser constituída por práticas e por artes, com as vantagens e os inconvenientes que lhes estão associadas. A questão que importa considerar, e que está presente ao longo de todo o presente trabalho, é: até que ponto é possível definir melhor os fluxos de trabalho, pelo menos nas tarefas menos criativas das fases de projecto e de execução. No que toca à execução, isto passa por adoptar, sempre que possível, soluções estandardizadas. Nas tarefas de projecto importa igualmente transformar algumas práticas, em particular as rotineiras, em processos, transformando formas de comunicação informais em formais (ver 2.3.2.2).

Retoma-se aqui a discussão relacionada com a gestão do conhecimento (2.1.4). A automatização de processos e a definição de formatos de representação padrão são mecanismos apropriados para servirem de suporte a actividades baseadas em conhecimento explícito – tarefas que têm como fim a materialização de conceitos: elaboração de peças de projecto, de orçamentos, etc. As actividades criativas (baseadas em conhecimento tácito) tendem a beneficiar mais de tecnologias que facilitem a comunicação, frequentemente informal, entre intervenientes (Pulsifer 2008). Estas actividades são menos aptas para serem transformadas em processos, tal como estes foram definidos no presente capítulo.

O problema associado à falta de definição nas tarefas que constituem o processo construtivo tende a ser menor nos casos em que são utilizadas, de forma intensiva, soluções estandardizadas. A indústria metalomecânica, por exemplo, utiliza já há algum tempo tecnologias de informação com uma aceitação significativa no sector. O projecto CIMsteel, que culminou no desenvolvimento de um modelo de informação para produtos de construção (estruturas metálicas), precedeu as iniciativas STEP ou IFC (ver 2.3.5.3.6 e 2.3.5.3.7)

Recursos gastos em projecto

O custo do projecto na construção civil é muito reduzido comparado com outras indústrias. Apresenta-se na Tabela 1 um conjunto de relações entre o custo de produção e o respectivo custo de projecto para produtos de diferentes áreas industriais.

Os produtos de consumo de massas – electrónica, automóveis, etc. – têm, como seria de esperar, um custo de produção reduzido quando comparado com o custo necessário para o seu desenvolvimento. Esta característica não é exclusiva deste tipo de produtos, sendo igualmente observada na indústria aeroespacial e na indústria aeronáutica.

No caso dos produtos de consumo de massas, a dimensão do mercado permite suportar os custos de investigação e desenvolvimento e, nos casos apontados, os clientes reconhecem valor na investigação.

No caso da indústria aeroespacial, o mercado é obviamente menor, mas o número de empresas do sector também o é. Neste sector, a investigação e o desenvolvimento têm um valor reconhecido pelos clientes, não só pelas características que acrescentam aos produtos, mas também um valor intrínseco – os clientes compram investigação.

Tabela 1 – Custos de projecto relativamente a custos de produção (Eastman 1999).

Exemplo

Custo/Un

Design

Relação

Microprocessador

€ * 102

€ * 108

1 / 1 Milhão

Electrónica de consumo

€ * 102

€ * 106

1 / Milhares

Construção

€ * 106

€ * 105

<1 / 0.1

Os resultados resumidos na Tabela 1 sugerem que a indústria da construção é uma indústria com uma relação com o projecto distinto da das indústrias indicadas. Com efeito, o valor indicado na coluna Design da tabela tem um significado e um conteúdo diferente para a construção relativamente às indústrias indicadas. Para as indústrias referidas, Design inclui não só o projecto do produto (incluindo todas as fases necessárias ao seu desenvolvimento) mas também a investigação levada a cabo para lhe acrescentar novas características – isto é, investigação e desenvolvimento. Na construção, a generalidade das empresas do sector não promovem a investigação e desenvolvimento, pelo menos da forma como ela é entendida na indústria electrónica ou automóvel, por exemplo. Assim, para a indústria da construção, design corresponde, em geral, apenas ao desenvolvimento do projecto – original, como é próprio do projecto de um protótipo, mas não necessariamente inovador. É evidente que recursos escassos não favorecem o desenvolvimento de soluções optimizadas e tem sido sugerido que perante relações de custos do tipo apresentado, seria de esperar um grau de padronização dos produtos de construção claramente superior ao verificado (Eastman 1999).

As soluções estandardizadas podem alterar a relação entre custos indicada na Tabela 1, actualmente penalizadora para a indústria da construção. Por natureza, as soluções estandardizadas são aplicadas em diversas obras distintas, pelo que os custos inerentes à sua concepção são divididos por um grande número de produtos. Assim, torna-se possível tirar partido de uma vantagem de escala normalmente associada aos produtos de consumo de massas: aumentando o número de unidades idênticas produzidas, é possível aumentar os recursos dedicados ao desenvolvimento sem aumentar o custo unitário do produto.

Dispersão da indústria

O sector da construção civil é dominado, em Portugal, por um grande número de pequenas empresas (cerca de 98% com menos de 19 trabalhadores) que são responsáveis por cerca de metade do volume de negócios total do sector.

Os dados da Comissão Europeia apontam para uma situação semelhante a nível europeu, em que cerca de 96% das empresas contam com menos de 20 trabalhadores (e-Business W@atch 2005).

O reduzido capital da maioria dos intervenientes não é favorável ao desenvolvimento de esforços no sentido de alterar procedimentos habituais. Com efeito, constata-se que no sector da construção as PME estão mal preparadas para a utilização de tecnologias da informação (Ng et al. 2001), (Dainty et al. 2006). Por outro lado, o grande número de empresas no mercado dificulta o estabelecimento de formas de comunicação padrão.

Na construção nacional, a única fase do processo construtivo em que esta pulverização de intervenientes é alterada de forma significativa é a da promoção. Nesta fase, o volume de trabalho correspondente às obras públicas é de tal forma significativo e a natureza dos trabalhos a elas associados é de tal forma específica que a estrutura orgânica das empresas de construção inclui frequentemente departamentos dedicados a este tipo de obras. Esta singularidade no processo construtivo pode ser encarada como uma oportunidade para produzir alterações na forma de representar produtos na construção. Com efeito, o promotor pode impor formatos de representação padrão que deverão ser respeitados pelos seus fornecedores.

Interface projecto-execução

Os tipos de contrato tradicionais não favorecem a análise global do processo construtivo por parte dos participantes. É corrente que, por exemplo, as questões relacionadas com a produção sejam analisadas pela primeira vez após a conclusão do projecto, depois do lançamento do concurso de empreitada. Esta realidade contrasta com a prática seguida noutros sectores, nomeadamente no sector automóvel, em que as técnicas de gestão de projectos seguidas (Womack, Jones 2003) impõem a inclusão de técnicos ligados à produção nas equipas de projecto de forma a condicionar a concepção do produto com base em questões ligadas à produção.

As formas de contratação tradicionais na construção separam claramente as fases de projecto e de execução. Nas obras públicas, por exemplo, a forma de contrato padrão conduz a uma situação em que o projectista não só é uma entidade completamente independente relativamente ao empreiteiro, mas ainda tem de elaborar todo o projecto antes de conhecer quem o executará. Evidentemente, nestas circunstâncias não é possível adaptar o projecto às características do empreiteiro, o que, por vezes, seria desejável. O construtor pode, mediante a aprovação do dono da obra, propor soluções variantes para os projectos, mas os melhores exemplos de optimização da transição da informação entre as fases de projecto e de construção surgem nas obras em que os trabalhos correspondentes a ambas as fases referidas são adjudicados à mesma entidade.

Com efeito, considera-se que o sector da construção é caracterizado por uma perda de valor entre as sucessivas fases do processo construtivo, como resultado de uma deficiente coordenação entre os intervenientes que protagonizam cada uma delas (ver também Fig. 10).

Para além da inclusão de técnicos ligados à produção nas equipas de projecto, a transição entre as fases de projecto e produção na indústria automóvel apresenta uma outra característica que a distingue da indústria da construção: o projecto é congelado durante um longo período de tempo até ao início da fase de produção. A este período chama-se, nas publicações em língua inglesa, design freeze. A generalidade dos construtores de automóveis congela os projectos durante um período de dois a três anos. Num artigo publicado em 2005, revelava-se que o construtor automóvel com uma transição entre projecto e produção mais rápida tinha como objectivo fases de design freeze com uma duração de doze meses apenas (Ohnsman 2005).

Durante esta fase intermédia é preparada a fase produção: são definidas os locais onde as novas entidades serão produzidas e os recursos necessários à tarefa. As actividades de procurement são provavelmente as mais importantes durante esta fase.

Na construção, exceptuando num pequeno número de obras de características especiais, não há qualquer equivalente à noção de design freeze. Os desenhos e as especificações técnicas chegam continuamente ao estaleiro de obra, durante a fase de execução. Esta prática reduz a importância relativa das actividades ligadas à gestão da construção. Na construção, os potenciais ganhos associados à selecção de um sistema de aquecimento, por exemplo, são claramente superiores àqueles que podem ser atingidos por uma escolha criteriosa de fornecedores, de instaladores, de condições de entrega, etc. Assim, a oportunidade para modificar os custos do empreendimento vão sendo reduzidas à medida que o processo construtivo avança (ver também Fig. 9).

Naturalmente, os ganhos associados à gestão da produção são tanto maiores quanto maior for o número de unidades semelhantes produzidas. Assim, tal como sucede com as tarefas de projecto, também a gestão na construção tende a ser mais cuidada nos casos em que o grau de padronização das soluções é maior – isto é, em termos relativos, mais recursos são dedicados à gestão da produção quando o grau de repetição é maior.

Assim, a indústria automóvel beneficia de uma longa fase de congelamento de projectos uma vez que os ganhos cumulativos associados a uma gestão da produção mais cuidada excedem as perdas que correspondem a um lançamento mais tardio de produtos no mercado. Na construção, os prazos exigidos pelos clientes não permitem esta paragem prolongada e, dado o pequeno número de unidades semelhantes a produzir – regra geral, apenas uma – os ganhos cumulativos associados a uma fase de procurement que constitua uma verdadeira transição entre as fases de projecto e de execução são menos evidentes do que os observados noutras indústrias.

Relações entre elementos da cadeia de valor

Os intervenientes sucedem-se em cada fase do processo construtivo e em cada nova obra, o que resulta numa significativa dificuldade ao estabelecimento de relações de longo prazo entre empresas do sector.

As formas de contrato tradicionais separam a fase de projecto da de construção, o que resulta numa das divisões mais sensíveis, ao longo do processo construtivo, no que toca à gestão da informação.

Em termos comparativos, empresas do sector automóvel, por exemplo, tendem a realizar uma parte significativa das tarefas necessárias ao desenvolvimento dos seus produtos e a estabelecer parcerias com um número mais limitado de fornecedores. Estas parcerias são de tal forma estáveis que frequentemente se mantêm mesmo após a abertura de novas instalações da construtora noutros países.

Assim, os grandes construtores da indústria automóvel assumem claramente um papel dominante ao longo de toda a cadeia de valor.

Este tipo de relações, que não encontra paralelo na construção, é claramente benéfico para o estabelecimento de formas de comunicação padrão.

Prazo de validade de produto

Um modelo de informação deve incluir dados que permitam, por um lado, definir as exigências fundamentais que se colocam ao respectivo produto e, por outro enunciar as características dos componentes que satisfazem essas exigências. A satisfação destes requisitos é dificultada pela longevidade dos produtos de construção. Com efeito, um edifício, por exemplo, pode conhecer diferentes tipos de utilização ao longo do seu período de vida útil. Desejavelmente, um projecto deve permitir este tipo de alterações e, se possível, deve prevê-las. Infelizmente, as exigências do utilizador são, em larga medida, desconhecidas nas primeiras fases do processo construtivo.

Bibliografia

  1. POÇAS MARTINS, J. P. 2009. Modelação do Fluxo de Informação no Processo de Construção - Aplicação ao Licenciamento Automático de Projectos. PhD Thesis, Universidade do Porto.