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Legenda: Suzana da Mota Silva, alumna da FEUP que trabalha na ESA.

Com o Espaço a povoar o seu imaginário desde cedo, os ingredientes “sonho” e “resiliência” cruzaram-se no percurso de Suzana da Mota Silva e levaram-na até à European Space Agency (ESA) – onde sempre quis trabalhar. Natural de Lisboa, foi na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) que concluiu o doutoramento em Engenharia Mecânica, antes de ingressar no mercado de trabalho. A partir da Holanda, a alumna da FEUP conversou connosco sobre o seu percurso académico, os projetos em que colaborou e a sua perspetiva em relação ao futuro.

 

Os primeiros passos

Para falarmos do “sonho” de Suzana é (quase) obrigatório considerarmos como ponto de partida a série Cosmos, de Carl Sagan, na qual encontrou uma boa parte da inspiração para a sua atual atividade profissional. Podia ter sido astronauta – motivada pelas séries televisivas que acompanhava – ou ter enveredado por qualquer outra profissão relacionada com o Espaço, mas foi na Engenharia Aeroespacial que vislumbrou um caminho de futuro. Em 1997, foi a primeira portuguesa a concluir o mestrado integrado naquela área, no Instituto Superior Técnico (Lisboa), com uma bagagem de ambições para concretizar. “Quando eu estava em Engenharia Aeroespacial, tinha a certeza de uma coisa: quando acabasse, eu queria sair do país. Queria ver outras coisas, ter outras oportunidades”, conta.

E eis que surge a possibilidade de realizar um estágio na Organização Europeia para a Investigação Nuclear (CERN), na Suíça, promovido pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Concluída a formação de base, parte para o novo desafio. “Na altura, trabalhar em projetos de engenharia de grande dimensão pareceu-me o início de um caminho que me poderia levar aonde eu queria, que era trabalhar em Espaço”, recorda Suzana. No CERN, esteve envolvida no desenvolvimento de uma estrutura de suporte para um dos detetores do LHC [Large Hadron Collider], o maior acelerador de partículas do mundo, denominado CMS [Compact Muon Solenoid]. “Estes detetores têm requisitos extremamente precisos, tal como as missões espaciais. Foi um bom desafio e um primeiro passo para me aproximar do Espaço”.

Do estágio no CERN resultaram conhecimentos essenciais, mas também novas oportunidades, como a de iniciar o doutoramento. “O trabalho que desenvolvi na Suíça envolveu a colaboração com o INETI [Instituto Nacional de Engenharia] e a FEUP, e foi precisamente dessas parcerias que nasceu a ideia”, lembra. Em 1998, Suzana inicia a nova etapa, que foi dividida entre o CERN e a FEUP. A componente curricular foi realizada no Porto e a de investigação na Suíça. “A FEUP foi essencial, porque foi de lá que recebi todo o background teórico para a tese, quer através das próprias unidades curriculares, quer pelo apoio dos meus orientadores, os professores Mário Vaz e José Rodrigues”, sublinha.

Concluído o doutoramento, o futuro volta a assumir o centro de decisão. “Eu tinha a certeza de que não queria fazer um pós-doutoramento, porque me apercebi de que o que eu gosto sobretudo é de trabalhar em equipa”, afirma. Entre a ponderação e a procura, surge a oportunidade de fazer investigação e lecionar na École Polytechnique Fédérale de Lausanne (EPFL), na Suíça, onde esteve durante um ano.

Em 2003, Suzana Silva parte para uma nova “aventura”, desta vez na Fokker (Holanda). “A empresa dedicava-se a produzir partes de aviões para a indústria aeronáutica – onde se incluíam a AirBus e a Embraer. A dada altura, integrou um consórcio que teve como objetivo desenvolver um helicóptero para a NATO, chamado NH90. Aqui, a contribuição da Fokker era essencialmente no desenvolvimento dos trens de aterragem, no fabrico de portas e outros componentes. E eu entrei nessa equipa para trabalhar nesse projeto”, aponta.

Esteve 4 anos na Fokker. “Entretanto, em 2000, Portugal entrou como estado-membro da ESA, e eu comecei a concorrer para lá – porque esse sempre foi o meu sonho. Mas havia uma questão: faltava-me a experiência de “Espaço”. Tinha a experiência em Aeronáutica, mas faltava-me o Espaço. Então, para me aproximar um bocadinho mais dessa área, candidatei-me a outra empresa, aqui na Holanda”, conta a alumna da FEUP.

Depois de 2 anos a trabalhar na área do Espaço na Lógica CMG, onde esteve envolvida no projeto Galileo, recebe o resultado positivo de uma candidatura que submeteu à ESA. “Foi a concretização de um sonho”, comenta de sorriso esboçado no rosto. E o próximo passo torna-se evidente.

 

ESA: o concretizar de um sonho

Decorria o ano de 2008 quando Suzana ingressou na ESA, no Departamento de Qualidade (Fiabilidade e Segurança). “Inicialmente, comecei por dar suporte a projetos da Estação Espacial e depois comecei a orientar-me mais para trabalhar com projetos na área da observação da Terra, que é essencialmente aquilo que me faz sonhar”, partilha. “São aqueles projetos em que eu vejo uma utilidade pública enorme, de interesse público”.

Na ESA, a componente da observação da Terra está dividida em 3 áreas: “a meteorológica (que envolve satélites e meteorologia); a das Ciências da Terra (designada Earth Explorers), que consiste nas missões únicas para medir parâmetros que nunca foram medidos – é ciência pura, mas vocacionada para a Terra; e as restantes missões com a Comissão Europeia”, explica Suzana Silva.

O percurso de Suzana sempre se focou no controlo de qualidade da área das Ciências da Terra. Neste âmbito, esteve envolvida em inúmeros projetos de grande dimensão, como o MetOp-C (Meteorological Operational Satellite C), um satélite lançado em 2018 que integra o programa de satélites europeu designado Meteorological Operational Satellite (MetOp). Este programa inclui um conjunto de 3 satélites, entre os quais o MetOp-C, que têm como objetivo fornecer serviços de dados meteorológicos para monitorizar o clima e melhorar as previsões meteorológicas.

Um outro projeto em que Suzana esteve envolvida foi o Aeolus, uma missão espacial cujo propósito foi medir perfis de vento globais a partir do Espaço, recorrendo a um sistema de laser. “A medição de perfis de vento na atmosfera é feita sobretudo com balões meteorológicos que são lançados, por dia, em múltiplos pontos do globo. Com o Aeolus, essa medição passou a poder ser realizada a partir do Espaço. Esta é uma missão única, na medida em que fomos os primeiros a aplicar este sistema no mundo”, explica. A missão foi lançada em 2018 e concluída em 2023.

Legenda: Satélite Aeolus, missão da qual Suzana fez parte (Fonte: ESA).

“O sucesso do Aeolus despoletou a vontade dos estados membros da ESA de fazer um Aeolus II. Isto permitiria que tivéssemos, ao invés de um, dois satélites para continuar a medir esses perfis de vento. Com os dados vindos do satélite, notou-se uma melhoria enorme dos modelos matemáticos para a previsão do tempo. Quer para a previsão da meteorologia do dia-a-dia, como para uma possível antecipação de catástrofes. E é daqui que surge o grande interesse em que haja uma segunda missão”, avança Suzana.

Atualmente, a alumna de Engenharia Mecânica integra um outro projeto pioneiro na Europa: a missão espacial The FLuorescence EXplorer (FLEX), com data prevista de lançamento para 2026. Esta missão tem como objetivo obter mapas de fluorescência da vegetação a nível global, com base na fotossíntese (processo biológico a partir do qual as plantas produzem matéria orgânica). “A missão é mesmo só focada na eficiência deste processo, porque medindo a fluorescência nós conseguimos perceber o nível de stress das plantas – que pode ser causado por falta de água, pela poluição, ou uma série de outros fatores ambientais. Estes dados darão informações muito importantes que permitirão o combate a um conjunto de desafios ambientais atuais”, afirma a engenheira.

“Eu acho que esta é uma área com cada vez mais interesse do público em geral – e dos governos também. Se olharmos para aspetos como a sustentabilidade, há cada vez mais interesse em perceber e monitorizar o que se passa com o planeta. Já todos percebemos que o planeta está em stress, portanto, já todos percebemos que o valor destas missões é único. Claro que outras missões de Ciência – a Marte, Vénus, etc. -, de exploração espacial ou envolvendo astronautas são missões que nos fazem sonhar e que abrem portas únicas em termos de Ciência e de exploração do Universo. Mas a parte da observação da Terra tem uma urgência muito própria. E a urgência é a de monitorizarmos o nosso planeta e atuarmos para que este se mantenha habitável”, reflete a alumna.

Um futuro com Espaço

A ideia de sair de Portugal esteve sempre acompanhada pela de um possível regresso. Porém, as circunstâncias do percurso têm conduzido Suzana a refletir sob uma outra perspetiva. “Infelizmente, eu sei que o que eu faço hoje, não posso fazer no meu país. Tenho uma certa mágoa por não ter voltado, porque reconheço que Portugal investiu em mim como investe em muitos outros estudantes que depois saem e não retornam, mas tenho de ter este aspeto em conta”, afirma.

E porque os sonhos conduzem os passos e as decisões tomadas, não há grandes dúvidas sobre o que fazer a seguir. “Eu sou apaixonada pelo que faço e o que faço é aqui. Ainda assim, a ESA é feita dos diferentes estados membros e Portugal é um deles. Nesse sentido, eu represento o país, ainda que tenha pena de não lhe ter podido retribuir mais”, partilha. “O futuro passará por terminar as missões em que estou agora envolvida: terminar o FLEX e começar e concluir o Aeolus II, que deve ser lançado quando eu me reformar. E continuar a trabalhar em projeto, que é isso o que me motiva”.

Também o regresso a Portugal está nos planos de Suzana Silva. “Com o passar do tempo, sinto que a Europa é a minha casa. Sinto-me bem fora, sinto-me muito bem também quando vou a Portugal. E é óbvio que vou voltar a Portugal quando a altura da reforma chegar. Sempre a seguir aquilo que se passa com o que mais me apaixona: o Espaço”, conclui.