Será que alunos do Ensino Secundário conseguem construir um “mini-foguetão”? A resposta é um indubitável “sim” – ou não tivesse sido o que aconteceu com o projeto PLUTUS, desenvolvido por alunos do Colégio Luso-Francês (CLF) em parceria com a Porto Space Team (PST) – um grupo de estudantes da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) que atua na área da Engenharia Aeroespacial. Após um ano de trabalho, quatro dos cinco elementos que integraram o projeto ingressaram na FEUP, o que nos levou a ir ter com eles para saber mais sobre a sua experiência universitária e de que modo é que o projeto os impactou.
A base para grandes altitudes
Falar do PLUTUS implica regressar a novembro de 2023, à origem de tudo. Em cima da mesa, o esboço de uma proposta de projeto e o sonho de fazer algo maior. Num momento em que a equipa da PST estava a unir esforços para desenvolver o seu protótipo – o INVICTUS, um dos 2 rockets portugueses que competiram no EuRoC 2024 -, surgiu a possibilidade de alargar o seu espetro de atuação e colaborar com uma escola CAMPUS FEUP. É nesta altura que, no âmbito da disciplina Metodologia de Investigação em Projeto, lecionada no CLF pela docente Rita Rocha, se junta à PST um grupo de alunos de 12º ano, com a ambição de replicar o trabalho desenvolvido pela equipa, ainda que numa escala menor.
E assim foi. Durante o ano letivo de 2024/2025, a PST dinamizou um conjunto de sessões de trabalho semanais com o objetivo de ensinar os conceitos associados à construção de um foguete e mobilizar a sua aplicação nas diferentes etapas do processo. Estas dinâmicas permitiram que os alunos trabalhassem nos laboratórios da FEUP e recebessem, no Colégio, a equipa da PST para sessões teórico-práticas complementares. “Estivemos em diferentes departamentos, desde o de mecânica, informática, química, e acabámos por ter contacto com áreas diferentes e perceber o que se fazia em cada uma delas”, avança Afonso Maia, estudante de Engenharia Mecânica.
“Ao longo do projeto, estivemos em contacto com diferentes plataformas e aplicações – por exemplo, as usadas em impressão 3D. Aprendemos muito sobre física, as forças, os cálculos que tínhamos de fazer. Mesmo que, naquele momento, essas contas fossem ainda um bocado estranhas para nós, tivemos contacto com elas. Tudo isto acabou por nos dar conhecimentos que, mesmo que não fossem nas áreas que queríamos seguir na faculdade, nos ajudaram a ter uma noção sobre o que são e do que tratam”, aponta o estudante.
Legenda: Sessões de trabalho dinamizadas pela PST no Colégio Luso-Francês e na FEUP.
Para Miguel Ribeiro, estudante de Engenharia Informática e Computação, a par de todo o conhecimento que adquiriu, também o convívio com a equipa da PST foi muito importante. “Houve um momento que me marcou bastante, que foi quando um dos membros, o Paulo, que está em Engenharia Eletrotécnica e sabia que eu gostava de seguir Informática, me mostrou alguns jogos que desenvolveu. Isto motivou-me ainda mais para esta área”, partilha. “Como estávamos todos no 12º, prestes a entrar na faculdade, fazíamos perguntas sobre a experiência deles na universidade e acho que isso nos ajudou bastante a escolher o curso”, complementa Afonso.
Já para Beatriz Sequeira, estudante de Engenharia Civil, o projeto foi também relevante para ter a certeza de que os próximos passos académicos seriam dados na FEUP. “Eu gostei bastante desta experiência. Apesar de no início do 12º já saber que queria seguir engenharia, não sabia ainda qual e não tinha bem a certeza se queria ir para fora do Porto ou não. Estas dúvidas desfizeram-se, porque o projeto me ajudou a decidir que, independentemente da engenharia por que eu optasse, queria ficar na FEUP. Aliás, a primeira vez que vim à faculdade foi mesmo a propósito do projeto”, sublinha.
O estudante de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores, João Saleiro, também partilhou da opinião dos colegas: “O projeto teve bastante impacto em mim. Deu para perceber como é que a FEUP funciona e conhecer pessoas da faculdade, sem estarmos propriamente a estudar cá”.
Passados meses dedicados ao desenvolvimento do rocket, envolvendo testes aos componentes e avaliação da respetiva performance, chegou o momento mais aguardado: o lançamento do foguete. Decorria o dia 15 de julho de 2024, no Aeródromo de Paramos, em Espinho (Aveiro), quando aconteceu. “Foi uma experiência marcante ver o lançamento no local, mesmo à nossa frente – para além de nos ter permitido voltar a estar com a equipa passado algum tempo, depois dos exames. Estávamos ali nós os 5 a conviver e a ver acontecer aquilo para que tínhamos trabalhado tanto”, recorda Afonso. “Fizemos testes e não conseguimos inicialmente ter o resultado que esperávamos. Depois de tanto tempo investido, vermos o rocket a voar foi ver que o resultado final compensou o esforço”, complementa Miguel Ribeiro.
Legenda: Registos fotográficos do lançamento do rocket no Aeródromo de Paramos, em Espinho. (Fotografias: iCOM-FEUP)
“Em termos de tempo, conseguimos gerir tudo normalmente. Mesmo nos dias em que não conseguimos estar todos nas sessões, era sempre possível estarem 2 ou 3 elementos e isso já ajudava a avançar com o projeto e com o que tínhamos programado. Quando chegou a altura do estudo para os exames nacionais, ainda fizemos os primeiros testes do rocket, mas depois tivemos de fazer uma pequena pausa por causa do estudo. Assim que terminaram os exames, voltamos a ter uma sessão para esclarecer tudo e fazermos o lançamento. Por isso, do meu ponto de vista, o projeto não interferiu com o nosso período de estudo e conseguimos trabalhar em tudo tranquilamente”, continua Afonso.
“O nosso envolvimento com o projeto nunca chegou a atrapalhar as notas. E é sempre bom participar neste tipo de iniciativas, porque na entrada para a faculdade não vamos desamparados para um novo mundo – neste caso, já tínhamos alguma experiência, sabíamos onde eram os sítios, onde íamos ter as aulas, e tudo isso foi muito bom poder ter acontecido”, reflete Miguel.
O início de uma nova aventura
Concluído o ensino secundário, Afonso, Beatriz, João e Miguel não tinham dúvidas de que engenharia seria o caminho a seguir. Hoje, enquanto estudantes da FEUP, os desafios são outros e estão a marcar o início de uma nova etapa. João Saleiro começou por dar o passo de integrar a Tuna de Engenharia da Universidade do Porto (TEUP), atividade que concilia com as aulas. “Estou a ter uma boa experiência, tanto no curso propriamente dito como na vida académica. O curso tem disciplinas bastante interessantes e estou a gostar delas, tal como da Tuna, que estou a adorar”, refere o estudante de Engenharia Electrotécnica e de Computadores.
Para Beatriz Sequeira, esta nova fase também trouxe boas experiências. “Estou a gostar do novo contexto. Há cadeiras mais difíceis que outras, mas vai-se conciliando tudo bem. Um outro aspeto de que gostei é que toda a gente do meu curso com quem falo, tem mais ou menos as mesmas ideias e perspetivas sobre as coisas. Ou seja, são pessoas que partilham muitos interesses em comum relativamente aos estudos, etc. E isso é muito bom”, comenta. “Sinto, ainda assim, algumas diferenças em relação ao secundário. Por exemplo, nas aulas teóricas estão na sala quase 100 pessoas. É mais difícil estar atenta nessas aulas, com tanta coisa a acontecer ao mesmo tempo, quando comparado com o secundário. Para além de que é necessário mais estudo autónomo”, remata.
“A dificuldade aumentou, é verdade, e noto isso pelas frequências que já tive. Nos testes, o tempo parece mais limitado relativamente a tudo o que se tem de fazer – o que acaba por ser mais desafiante. Depois, pensamos que talvez não somos os únicos a sentir estes desafios: olhamos à volta, pela sala, e toda a gente sai do teste a fazer contas à vida [risos]. Por isso as atividades extra, como a praxe, são muito importantes, para conhecermos pessoas, almoçarmos na cantina e descontrairmos um bocadinho. É diferente mas acho que a experiência está a ser boa”, complementa Afonso.
A perspetiva de Miguel também é condizente com a dos colegas: “Por enquanto, está tudo a correr bem. Estamos a ter menos aulas e mais tempo para fazer outras coisas. Mais liberdade para conviver e para estudar, o que é bom”.
Um futuro com “E” de Engenharia
Com os próximos tempos em perspetiva, os estudantes partilharam os seus planos para o futuro. “Por enquanto, estou concentrado no presente, mas não tenho dúvidas que o plano é concluir o curso e fazer mestrado. Pessoalmente, espero conseguir conciliar o estudo com outras vivências, fazendo tudo o melhor que conseguir. Talvez venha a explorar a ideia de trabalhar para uma empresa internacional a partir de Portugal”, partilha o estudante de Engenharia Informática e Computação.
Para Afonso, concluir o curso também é a prioridade, ainda que com uma outra vontade acrescida. “Gostava de fazer mestrado e mobilidade em Erasmus, para ter uma experiência fora do país. Tenho ainda interesse em juntar-me a algum grupo como a Tuna, sempre avaliando o que faz sentido no momento do percurso em que estiver”, comenta. Para Beatriz Sequeira, os próximos passos também são evidentes: “ou escolher um mestrado que gostasse de seguir, talvez fora de Portugal, ou fazer Erasmus”.
“A nível académico, gostava de concluir o curso com sucesso. Profissionalmente, conto ganhar experiência a nível de trabalho, fazendo um estágio ou integrando algum grupo como a Porto Space Team. A nível pessoal, gostava de sair da FEUP como melhor profissional e pessoa, que também é importante – e, a propósito da Tuna, conto melhorar as minhas competências a nível musical”, conclui João Saleiro.