Assumidamente de “espírito aventureiro”, foi o primeiro engenheiro da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) a integrar a Tesla. No currículo, o orgulho de ser um dos fundadores da equipa de Formula Student (FS), um dos projetos com maior dinamismo na faculdade nos últimos anos. Chama-se Enzo Vilariça, é natural de Valongo e é alumni de Engenharia Mecânica, que diz ter escolhido de forma “natural” – ou não fosse esta uma área que lhe está nos genes. Numa conversa que ligou momentaneamente o Porto a Berlim (Alemanha), por videochamada, Enzo falou-nos sobre o seu percurso e as experiências que o têm moldado a nível pessoal e profissional.
O engenheiro em formação
Se voltarmos ao início de tudo, percebemos que nem todas as escolhas têm de se associar a uma grande complexidade. Pelo menos no percurso de Enzo foi assim. Ainda aluno na Escola Secundária de Rio Tinto, dedicou-se sempre às áreas de que mais gostava e sem o “peso” do futuro nos ombros, sendo que a opção de Engenharia acabou por ser evidente. “Durante os 3 anos do secundário, nunca passei muito tempo a pensar no meu futuro. Quando cheguei ao 12º, fiz a escolha das disciplinas específicas com base no meu interesse presente – e tudo apontou para Engenharia. Foi uma decisão muito natural para mim”, recorda.
“Na altura, cheguei a ver várias opções, mas nada me motivava tanto como a engenharia. E Mecânica foi a minha primeira opção, essencialmente porque tinha um programa curricular muito abrangente. Recordo-me de ter visto alguns títulos e descrições das cadeiras e muitas vezes não fazia ideia do que se tratava. Tenho memória de ver um pouco de tudo, desde a mecânica de fluidos, informática, matemática e outras – esta abrangência foi mesmo o que mais me atraiu”, partilha o alumni.
Também a “casa” onde viria a passar os próximos tempos foi uma escolha sem grandes hesitações: “escolhi a FEUP porque ficava perto de onde vivia e é uma das faculdades mais prestigiadas a nível nacional e internacional”. Uma opção reforçada por experiências anteriores. “Quando andava no ensino básico, contactei com a Universidade do Porto através da Universidade Júnior, que frequentei pelo menos 2 anos. Lembro-me que frequentei várias atividades relacionadas com áreas diferentes, que me marcaram, e algumas delas aconteceram na FEUP”, lembra. “Mais tarde, cheguei a vir à faculdade com colegas do secundário. Alguns deles vieram também para Engenharia Mecânica, sendo que um deles mora comigo em Berlim”, acrescenta.
E as mudanças assim aconteceram. O ano de 2017 marcou o início de um conjunto de experiências que tiveram um forte impacto na formação de Enzo. Todas elas associadas à FEUP. “Lembro-me que no início fiquei muito entusiasmado com o que estava a acontecer e, desde aí, sempre tentei envolver-me em tudo um pouco. Ir às aulas todas – ou a quase todas -, ir à praxe, especialmente nos primeiros 2 anos, onde conheci muita gente”, recorda.
“Eu acho que o que mais me marcou da FEUP foi o conjunto de todas as vivências. Cada vez mais tenho aprendido a conseguir controlar um bocado esta vontade de fazer tudo, mas, quando entrei na faculdade, fiquei tão entusiasmado com tanta coisa que quis experimentar o que a FEUP tinha para oferecer. Ainda assim, consegui manter o equilíbrio entre a minha vida social, académica, associativa, entre outras – o que me deixou bastante realizado”, partilha Enzo. Durante o tempo de estudante, integrou ainda a Associação de Estudantes da FEUP (AEFEUP), a ShARE-UP, e fez estágios extracurriculares no IKEA e na Continental.
Em 2020, ruma à Budapest University of Technology and Economics, na Hungria, ao abrigo do programa Erasmus. “Havia esta oportunidade e eu pensei logo que tinha de aproveitar. Queria saber como era a experiência e construir a minha opinião sobre ela. Budapeste era um destino bastante concorrido e apreciado, com uma boa universidade e uma boa vida social. Foi o que acabei por escolher”, recorda.
“A primeira metade do período em que lá estive estava tudo normal. Passados uns tempos, devido à pandemia, as fronteiras fecharam e, na hora de confinar, para além de estar tudo fechado, havia militares na rua a circular, para que tudo fosse cumprido”. Ainda assim, de uma forma geral, lembra a experiência de uma forma positiva. “Foi a primeira vez que morei sozinho. Mudei-me para uma casa com 8 pessoas e esta vivência superou as expectativas. Do ponto de vista cultural, foi muito interessante morar com pessoas de outros países e conseguir perceber alguns padrões nas diferenças culturais. Fiz amigos que ficaram para a vida”, sublinha o alumni.
Formula Student: um novo capítulo
Regressado a Portugal, surge um novo desafio. “Quando voltei de Erasmus, parecia que tinha voltado de um ano sabático. Como não estive intensamente ligado à parte académica e a trabalhar, cheguei com um bocado mais de energia para me dedicar exatamente a isso”, introduz Enzo. Por essa altura, um conjunto de estudantes do Instituto Superior Técnico reuniu-se com a AEFEUP, da qual o alumni fazia parte, para lhes apresentar o seu projeto de Formula Student. ”Saí de lá a pensar: ‘porque é que nós não temos o nosso?’. Na FEUP, havia alguns projetos semelhantes, mas eram coordenados por professores – não tínhamos nada assim pela mão dos estudantes”, lembra.
“Eu estava no 4º ano, juntei-me a outro estudante do 5º ano de mecânica e começamos a falar sobre a ideia de criarmos uma equipa. O primeiro passo foi agendarmos uma conversa com o então team leader da FS do Técnico. E assim foi. Nessa conversa, para nossa surpresa, ficamos a saber que ele tinha sido contactado exatamente da mesma forma por outros 2 estudantes de mecânica da FEUP. Ou seja, 2 grupos de estudantes estavam a ter a mesma ideia em simultâneo”, recorda Enzo.
Coincidências à parte, é neste momento que os quatro estudantes da FEUP se juntam e começam a desenhar o esboço do que poderia ser uma equipa de FS. “Foi bastante interessante no início, porque nós começámos a levar esta ideia a alumni da FEUP que sabíamos que tinham tentado levantar este projeto no passado. Falámos também com alguns professores e a resposta que algumas vezes ouvimos era a de que isto podia não resultar, porque já se tinha tentado o mesmo no passado e não se obteve sucesso. Mas não desistimos”.
E foi precisamente desta bravura e dedicação que nasceu a FS FEUP, em julho de 2021. “Começamos a recrutar, a semear a ideia, juntamo-nos à AEFEUP – que foi uma grande ajuda neste arranque, não só na logística dentro da faculdade como também a nível organizacional e burocrática. Fizemos o recrutamento, reunimos uma equipa de dezenas de estudantes e começamos a preparar-nos para as competições”.
Legenda: Participação da FS FEUP na Formula Student UK, em 2022.
“Foram momentos de muita aprendizagem. No início, havia muita burocracia a tratar e o Afonso Costa, à data team leader, lidou com muita dela. Foi um líder muito bom e corria tudo muito bem. E lá fomos nós à descoberta: descobrindo e fazendo. Inicialmente, cometemos alguns erros que mais tarde acabámos por corrigir, passámos muito tempo a pesquisar e a trocar experiências com outras equipas a nível nacional, o que foi bastante bom. Sempre houve um espírito de entreajuda, tentando dar o melhor por Portugal nas competições de Formula Student”, comenta Enzo.
Para o alumni de Engenharia Mecânica, mais do que a construção de um projeto, foi toda a aprendizagem que conseguiu retirar do processo e que ainda hoje tem eco na sua vida profissional: “Esta foi a prova de que afinal poderá não haver assim tantos limites para as nossas ideias. Devemos tomar as opiniões como opiniões e não como conclusões, e isto foi uma coisa muito importante que levei para a minha vida profissional”.
O próximo passo chamado Tesla
O tempo é um fator essencial em qualquer percurso. No caso de Enzo, segundo o próprio, este tem sido um forte aliado nas suas conquistas. “No verão de 2021, depois do meu Erasmus, fui visitar um colega meu que estava a fazer um estágio aqui em Berlim. Foi a primeira vez que cá vim e lembro-me de estar a passear pela cidade e passarem por mim pessoas com umas t-shirts que tinham o símbolo da Tesla à frente e, no verso, a indicação de que a empresa estava a contratar. Na altura, pensei: ‘interessante, pode ser que bata bem a nível de timing com a conclusão do curso”, recorda.
“Mantive esta ideia na minha cabeça e, passado um ano, estava na altura de escolher para onde ia. Enviei bastantes currículos para aqui, cheguei a enviar mensagens no Linkedin a alguns portugueses que já aqui estavam e a falar com eles por chamada. Falei com pessoal de outras empresas para perceber como é que tudo funcionava e se eles me podiam ajudar. Candidatei-me, tive um conjunto de entrevistas, que foram bastante intensas, e ofereceram-me uma proposta”, partilha Enzo.
O antigo estudante de Engenharia Mecânica entra na Tesla, integrando a equipa de design de um dos componentes do carro, o inversor. “A Tesla, como equipa global, já tem a equipa de design do inversor há anos, mas, na equipa local, fui o primeiro engenheiro mecânico. Quando eu entrei, a equipa de design era constituída por 3 elementos. Ainda que agora sejamos mais, isso abriu portas a oportunidades bastante interessantes. Tive a oportunidade de ir aos EUA para conhecer a equipa global e isso também foi incrível, foi muito bom”, comenta.
Legenda: Enzo na Tesla em Califórnia, com a equipa de design do inversor alemã.
“Eu tinha tido experiências de estágios, mas nunca estive a trabalhar a full time numa empresa. Sinto que a Tesla é uma empresa bastante dinâmica e rápida, no sentido em que este ‘caos’ é uma oportunidade para crescermos e gerarmos algum impacto muito mais rapidamente. Consigo expor a minha opinião muito facilmente e envolver-me em várias coisas, se quiser. Acaba por ser um mar de oportunidades. Os projetos com que me envolvo resultam um pouco da minha decisão e permitem-me fazer a gestão de tempo e de energia”, afirma.
Os próximos passos
Com 25 anos, Enzo olha para o futuro como “uma página branco”. “Tenho asas para poder voar e explorar um pouco o que quiser e é isso o que tenho em mente. Portanto, quer seja na Tesla ou não, não tenho nada que me prenda a lado nenhum e isso é algo que me deixa bastante feliz, assim como a perspetiva de poder explorar e experienciar coisas diferentes – o mundo, a engenharia, a cultura e eu próprio. Estou confiante de que os próximos anos poderão ser bastante interessantes a esse nível”, sublinha.
E deixa um conselho claro para futuros engenheiros(as): “tentem envolver-se com o máximo de experiências diferentes, dentro de um limite que possam controlar”. “As aulas, ainda que importantes, podem não ser o suficiente. Este envolvimento para além da sala de aula acho que é bastante importante e existem as ferramentas na FEUP para tal, quer sejam projetos como a Formula Student, ou outros que não estejam relacionados com a parte técnica. Explorem a FEUP, e o que tem para vos dar, e explorarem-se a vocês próprios”, conclui.