Música, coreografia, movimento e criatividade. Todos estes elementos, conjugados, resultam na paixão de uma vida. A paixão de Ana Walgode, de 26 anos, recém formada em Bioengenharia pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). Em 2017, na China, fez história para Portugal: foi a primeira mulher a conquistar uma medalha no Campeonato do Mundo de Patinagem Artística, no escalão sénior. Até à data, soma 22 títulos internacionais, num percurso que nos últimos 6 anos se dividiu entre a Engenharia e a exigência de uma modalidade na alta-competição. Fomos conhecê-la um pouco melhor e explorar as diferentes etapas do seu percurso académico e pessoal.
Um início sobre rodas
O desporto esteve sempre presente na vida de Ana, natural de Espinho. Depois de passar pela ginástica rítmica, pelos trampolins e pelo hóquei, inicia o seu percurso na patinagem artística. Tinha 7 anos de idade. “Foi a minha mãe que nos inscreveu na patinagem, a mim e ao meu irmão [Pedro Walgode]”, recorda. “Nós éramos muito disciplinados, não podíamos faltar a um treino. Tínhamos sempre de treinar, nem que fosse na garagem de casa”, partilha de sorriso no rosto.
Os primeiros passos na modalidade foram dados na Associação Académica de Argoncilhe (2004), onde esteve cerca de 3 anos. Após esse período, passou pela Associação Académica de Gondomar (2008) e pela Rolar Matosinhos (2015), onde deu continuidade à prática deste desporto.
Sobre as rodas dos patins (em treino) ou do comboio (em viagem), Ana recorda um dia-a-dia agitado. Principalmente no período do Ensino Secundário, que concluiu na Escola Secundária Dr. Manuel Gomes de Almeida, em Espinho. Desde acordar cedo, ir para a escola, treinar e estudar, muitos foram os dias que começaram às oito da manhã e terminaram entre a meia noite e a uma do dia seguinte. Ainda assim, o gosto pelo que fazia compensava toda esta exigência. “Eu dava muito de mim, mas sentia-me muito feliz a fazer tudo aquilo. Foi assim que o gosto pela patinagem começou”, conta.
O primeiro reconhecimento internacional aconteceu em 2012, ano em que foi vice-campeã da Taça da Europa. Seguiram-se mais duas medalhas europeias nos dois anos seguintes. Em 2014, participou no seu primeiro Campeonato do Mundo. “Eu era juvenil ainda, e formei pares com o meu irmão. Aquele verão em que treinamos para essa prova foi muito exigente. Treinávamos 8 a 9 horas por dia”, afirma. “Quando concluímos a prova e soubemos o resultado, ficamos bastante felizes. Foi o nosso primeiro campeonato e atingimos o 6º lugar, à frente de pares que já competiam há algum tempo”, recorda.
O ano de 2015 foi também um ano de muitos e importantes feitos. Foi o primeiro ano em que Ana Walgode competiu em solo dance, na categoria Júnior, tendo-se sagrado campeã da Europa e vice-campeã do Mundo. No mesmo ano, com o irmão, fazem história para Portugal: são o primeiro par português campeão da Europa e o primeiro a ser medalhado no Campeonato do Mundo.
A escolha do curso
A par de todas as conquistas, e apesar da agitação do quotidiano, o futuro académico começou a ser alvo de reflexão. No 12º ano, tinha uma certeza: gostava muito de Matemática, Química e de Biologia e Geologia. No entanto, o interesse dividido pelas duas áreas motivou a indecisão sobre o curso a escolher: Medicina ou Bioengenharia? Com o passar do tempo, e após um período de ponderação, em 2016 candidatou-se a Medicina, na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
Passou um ano naquele curso. Apesar de ter gostado, o seu caminho deveria tomar um rumo diferente. Desta vez, em Bioengenharia, na FEUP. “Esse curso parecia que conjugava melhor os meus diferentes gostos. E acredito que o facto de o meu pai, o meu tio e o meu irmão serem engenheiros, todos pela FEUP, poderá ter tido, também, influência nesta minha decisão”, conta. “Chegou junho. Falei com os meus pais e irmão, e candidatei-me novamente”, afirma.
Decorria o ano de 2017 quando Ana Walgode ingressou na FEUP. A primeira impressão da nova faculdade foi muito boa e reforçou a importância da mudança. “Pareceu-me uma faculdade muito aberta, onde senti uma grande sensação de liberdade”, conta. “Aquele jardim aonde íamos apanhar sol nos intervalos, a diversidade de pessoas em diferentes cursos, e os momentos de estudo na biblioteca, foram momentos que me marcaram muito e que me impactaram de uma forma muito positiva”, acrescenta.
Nestes dois anos, a patinagem andou sempre a par da faculdade. Em 2016, é sagrada campeã da Europa a solo, e vice-campeã na categoria de pares. No ano seguinte, alcança o 3º lugar no Campeonato da Europa (pares) e é vice-campeã do Mundo, no escalão sénior. “Foi uma conquista muito importante, principalmente por ter sido a primeira mulher portuguesa a conseguir este feito”, aponta.
A descoberta do mundo exterior e interior
Associados à FEUP, a ex-estudante de Bioengenharia, recorda 3 momentos importantes na sua formação. Dois deles são os dois estágios curriculares que realizou no âmbito do curso, ambos no Laboratório de Engenharia de Processos, Ambiente, Biotecnologia e Energia (LEPABE). “Foram experiências importantes para desenvolver os meus conhecimentos naquelas áreas, aprender e aprofundar as diferentes técnicas laboratoriais envolvidas nos dois projetos”, comenta.
O terceiro momento que a estudante-atleta traz à conversa está relacionado com o período em que esteve em mobilidade. “Eu queria fazer Erasmus há algum tempo, mas, com a dinâmica da patinagem, não foi possível. Até que houve um momento em que isso se proporcionou, no último ano do curso, quando o meu irmão e eu decidimos que íamos terminar a nossa carreira”, admite Ana Walgode.
Seguiu-se meio ano em Roterdão, na Holanda. Neste período, Ana integrou a Erasmus University Medical Center, onde desenvolveu investigação no Departamento de Cardiologia. Foi um momento importante a nível académico, mas também a nível pessoal. Estar afastada da patinagem artística fez com que refletisse sobre si e sobre o seu percurso. “Acho que foi um descomprimir de quase 20 anos de muito rigor. Nessa altura, a intenção foi perceber qual era o meu novo propósito sem a patinagem. Porque ali eu estava mesmo afastada disso, apesar de ter tido algumas propostas”, confessa.
O pano de fundo para essa jornada foi o novo contexto em que estava inserida. Nova cidade, novos costumes. “Eu gostei muito da cidade e isso foi muito importante para mim. Um dos aspetos que achei interessante foi o facto de todos andarem de bicicleta para todo o lado. Ao início, quando a chuva e o frio eram muito fortes, recorri algumas vezes ao metro. Mas quando me apercebi da liberdade que se sentia ao andar de bicicleta, fui comprar roupa adequada e lancei-me nesse desafio. Foi uma sensação libertadora”, lembra. “Outros aspetos que me marcaram foram a diversidade cultural que lá existia e o facto de tudo acontecer mais cedo”, refere.
“Um estudante que faça Erasmus, tem muito a ganhar. É todo um trabalho de autonomia. Viver sozinho, trabalhar a sua capacidade de organização e de responsabilidade, conhecer outras culturas”, comenta. “Eu viajei por toda a Holanda, onde foi muito fácil andar de comboio para conhecer outras cidades. Fez-me muito bem fugir da rotina”, acrescenta.
Mas voltemos ao momento de introspeção. Afinal, quem é Ana sem a patinagem artística? “A conclusão a que cheguei foi a de que eu não me sinto completa sem a patinagem. Acho que sem ela me sentiria infeliz, embora estivesse com dificuldade em perceber isso”, recorda. “Eu investi tanto tempo e esforço em todas estas conquistas, e vou agora deixar tudo isso de parte? Felizmente, cheguei à conclusão de que não. Daqui em diante, vou investir naquilo que posso fazer após a carreira de atleta, porque adoro ser coreógrafa, montar as coreografias e as músicas, ser treinadora e toda a imaginação e a criatividade envolvidas no processo”, reforça Ana.
A FEUP e o palmarés de uma campeã
Voltando a 2022. Juntamente com o irmão, Ana Walgode sagrou-se Campeã do Mundo e da Europa. No ano seguinte, concluiu o mestrado em Bioengenharia, na FEUP. Até este momento, desde que fez história para Portugal numa competição mundial, a atleta acumulou mais 11 títulos internacionais aos que conquistara anteriormente. Sempre em articulação com o percurso na faculdade.
Olhando para trás, a ALUMNI analisa o impacto que a FEUP teve em si. “Aqui, nasceram amizades boas e muito conhecimento na área da Bioengenharia. Muito devido aos excelentes professores que a faculdade tem – muitos deles um apoio importante neste percurso”. “Vejo a FEUP como se fosse família. Sempre fizeram tudo para me acompanhar e partilhar as nossas conquistas. Aqui, há sempre muitos projetos e iniciativas a acontecer, que nos dão a possibilidade de criarmos muitos contactos. Acho que qualquer pessoa que saia da FEUP será sempre reconhecido”, remata a nossa campeã.
Em relação ao futuro, segundo Ana, até ao próximo verão, dedicar-se-á em exclusivo à patinagem. “De momento, estou a coreografar em diferentes projetos nacionais e internacionais. Depois, gostava de olhar para trás, analisar este período e perceber de que forma é que eu pretendo conciliar a engenharia com a patinagem”, adianta. “De uma coisa eu estou certa: na Engenharia, gostaria que o meu futuro se desenvolvesse em contexto empresarial ou industrial, numa área que me despertasse interesse”, conclui.